Capítulo 2 - Interrupções Noturnas

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Enya

Acordei com um pulo, meu celular estava tocando desesperado. Ainda é noite, pois não consigo enxergar nada, nem mesmo um palmo a frente. Levanto tateando a parede e procurando o interruptor. Acendo a luz, demorando a me acostumar com a claridade, o quarto sem cor e sem vida, eu precisava a pensar em uma decoração mais aconchegante com urgencia.

O celular ainda bipava sem parar, corri e peguei em cima da escrivaninha do outro lado do quarto. 

- Alô –atendi, sem ver quem era.

- Enyyyy, finalmente você atendeu garota –pela voz reconheci minha amiga Celline -você não me mandou nada, como está aí na nova casa?

Olhei o visor do celular, marcava 03:47 AM.

- Cell, você só pode estar maluca, olha a hora –praticamente berrei para ela.

Ao fundo o barulho de música alta e gritaria, com certeza mais uma das festas que ela se metia durante a semana. Em plena quarta feira.

- Ah você sabe esse é o único horário que parei –ela faz uma pausa gritando com alguém ao fundo -Já estou com saudade Eny, falta você aqui -até consigo imaginar ela fazendo beicinho.

- Eu também Cell, até agora está tudo um tédio, como de costume –me sentei beira da cama –E por aí, como estão as coisas?

- Aquele do qual o nome não podemos pronunciar não para de perguntar sobre você, enche o saco –exclama com raiva na voz -Você o bloqueou de novo?

- Sim –bufo angustiada –Ele foi um babaca novamente e sabe eu cansei e agora eu estou longe mesmo, não ia dar certo Cell –afundo minha cabeça no travesseiro, eu não ia chorar mais, cansei.

- Eu sei gata –ela diz pausadamente –Tudo bem então, vai descansar, eu sabia que você ia ficar brava, liguei só para você não me esquecer tá.

- Idiota –ri suave –Boa festa e dá um chute da bunda dele por mim.

- Pode deixar –gritou de volta desligando a chamada.

Bufei irritada, isso lá era hora. Mas realmente já estava sentindo muita falta dela, afinal ela é a minha única amiga dessa vida todinha e por mais que ela já tenha me envolvido em algumas boas bagunças, agora parece que vai ficar apenas como uma lembrança doida.

Não estou dizendo que vou viver para sempre aqui em Dallas, mas não poderei ir embora tão cedo, preciso ficar com minha mãe, esperar as coisas se acalmarem, ajudar ela e quem sabe melhorar também. E nos precisamos de um recomeço. 

Sem vontade de voltar a dormir, resolvo levantar de vez e arrumar algo para fazer, pode ser alguns rascunhos de desenhos ou simplesmente terminar um livro chato de romance.

A casa toda faz barulho de madeira velha, andar pelo corredor foi uma tortura a cada passo era um rangido diferente e mais alto, ando em curtos passos e evitando fazer barulhos ainda piores, sendo uma pessoa desastrada eu já teria batido o dedinho na quina de algum móvel ou derrubado algo no chão. Minha mãe deve estar dormindo e apagada, alguns remédios para dormir dela realmente faziam o efeito e as vezes eu roubava uma pílula ou outra.

Parei por alguns minutos na porta do seu quarto e observei enquanto ela dormia. Mamãe não era uma flor delicada, ela é uma lutadora, mesmo com tudo que já aconteceu com sua vida ela conseguia se manter de pé e ainda me segurar, me sinto uma idiota por não ter conseguido ajudar ela antes de tudo.

Com seus longos cabelos escuros e pele bronzeada, mamãe se parece com uma modelo, magra e alta também. Eu já por outro lado, não sou muito alta, mas o que tem de bunda e coxa compensa, já que sou mais gordinha que ela. Nossa aparência também é diferente devido a cor dos olhos, enquanto seus olhos são castanho escuro os meus são de um verde forte e brilhante, mas somos iguais quando se fala de cabelo, cacheados e bagunçados. Eu tenho tanta preguiça quanto ela de arrumar, somos muito parecidas nessa parte. 

Solto uma risada suave quando vejo seu cabelo desgrenhado caindo no rosto. Ela parece bem, pelo menos bem melhor que a um ano e bem melhor que alguns meses, desde que meu pai sumiu do mapa, achávamos que viveríamos sempre com medo e a espreita de algo pior sempre pra acontecer, mas pelo menos as coisas se acalmaram um pouco e aqui talvez seja realmente melhor, mas só talvez. 

Vou até a cozinha buscar um copo de água, já que a geladeira e a despensa estão completamente vazias, vou me contentar com um copo de água e um pacote de salgadinhos que joguei na bolsa antes da viagem.

Encaro por um momento a floresta pela janela, completamente escuro e silencioso, algumas corujas e mais silencio. Mas ao longe, bem distante, consigo ver no céu algumas luzes de um lado para o outro, iluminando ao longe e imagino a claridade que deve estar lá ou que será que eles estavam fazendo. Senti falta das festas e das bagunças com a Cell. 

Lembrei da placa de Circo que em breve abriria, será que aquilo era uma diversão constante dos moradores? Ou algo novo? Não tinha visto muitos moradores, já que nossa casa ficava mais isolada ao sul da cidade, mais perto das florestas e acredito que mais ao sul tem um precipício que leva ao oceano, ou algo assim pelo menos. 

Eu não gosto de circo, na verdade só me lembro de ter ido uma única vez, e não gostei dos palhaços gritando e correndo para os lados. Pelo menos algodão doce é bom e a pipoca também. Não que eu vá encontrar alguma diversão diferente aqui, vou ter que me contentar com isso, mesmo que sozinha, não tenho como ir para outra cidade para passear em shopping. Não tenho carro e mamãe não parecia inclinada a me dar um nem tão cedo. 

Largo o copo na pia e volto para meu quarto, me forçando a ler aquele péssimo romance, onde com muita facilidade a mocinha diz que gosta do protagonista e eles vão viver felizes no final.

Já prevejo esse desfecho pelo menos. 

Completamente previsível histórias de romance clichês. 

The Red Awakening - O Despertar VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora