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Lívia Vázquez30 de Abril de 2023Condomínio em Pompeia- pós clássico -

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Lívia Vázquez
30 de Abril de 2023
Condomínio em Pompeia
- pós clássico -

Minha cabeça tá prestes a explodir, uma enxaqueca do caralho não me larga desde a metade do segundo tempo no Derby ontem. Se fosse por conta do resultado com certeza eu teria dormido tranquilamente, mas não.

Uma ligação, uma única ligação logo que cheguei em casa foi o que me deixou assim. Um ano e sabe-se lá quantos meses depois de ter me mudado meu pai me liga pela primeira - só nos falávamos por mensagem, uma vez a cada dia que dava na nossa telha, ou seja, quase nunca - para contar que ele e mamãe iriam se divorciar. A sorte é que eu estava deitada porque se estivesse em pé teria caído igual um saco de batatas.

A voz dele parecia diferente, não soube identificar se era alívio ou apreensão pelo o que viria após a assinatura dos papéis. Perguntei como ele estava e me disse que ainda não sabia ao certo o que estava passando, mas que iria ficar bem. Perguntei sobre dona Adriana e me disse que ela estava bem, ocupada como sempre, que vive no trabalho para preencher o tempo livre que tem. Novidade nenhuma até aí. Desde que me entendo por gente ela é assim, mal aparecia nas minhas apresentações da escola por conta desse trabalho, era meu pai quem recebia o presente no dia das mães, ele quem comparecia nos campeonatos de futebol na escola para me ver.

Papai, papai, papai, papai e sempre papai.

Sinto falta do meu velho. De nós dois. Nossas leituras todo sábado à noite, o que era pra ser uma coisa de família, mas não foi porque ela nunca esteve livre para 'distrações'. Dos almoços de domingo que eram sempre um evento à parte, em cada um refizemos receitas do caderninho antigo da vovó, às vezes tudo saía um completo desastre, mas pelo menos nos renderam boas risadas e momentos únicos que nunca vou esquecer.

Meu coração fica apertado por tê-lo deixado, mas mesmo ele não me entendendo sabe que não fiz por mal, e sim por mim. Sabe que quando fui embora, não foi por rebeldia ou birra, e sim por não me sentir mais pertencente àquele lugar. Mesmo não concordando com essa decisão, ele sabe que foi o melhor.

Giro no colchão ficando de barriga pra cima e me obrigo a abrir os olhos para encarar a realidade. Em pleno domingo eu tenho que trabalhar. Eu amo a minha vida. Contém ironia, ou não.

O cheirinho de café passado passa por debaixo da porta e encontra o meu olfato. Olho para o despertador na mesinha e ele mostra sete e cinquenta e oito da manhã, porra, mas nem no domingo que eu posso chegar mais tarde, não consigo dormir mais um pouco, impressionante.

Jogo as pernas pra fora da cama e logo que me sento, uma pontada bem no meio da cabeça me faz apertar os olhos com força e soltar um gritinho de dor. Já vi que hoje o dia vai ser intenso. Devagar me coloco em pé para sair do quarto e descobrir quem é o intruso que está usando a minha cozinha sem permissão.

Caminho até lá com uma mão na cabeça e a outra na parede para me equilibrar. As cortinas da sala estão abertas e mal tem sol, um jazz bem baixinho preenche o cômodo, e aquele cheirinho de biscoito amanteigado faz meu estômago roncar de fome. O coitado não vê comida desde ontem a tarde. Aposto que o intestino delgado tá quase engolindo o grosso.

PERDIÇÃO | RICHARD RÍOS (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora