Confusão.

1.5K 126 163
                                    

Kelvin era um não-poeta que respirava por palavras. Ensinava aos humanos mais jovens como viver harmonicamente neste planeta, enquanto nosso mundo estava queimando.

As crianças são a forma bruta do poema mais transcendental, precisam ser aprimoradas, ensinadas... Mas essa maneira única de ver tudo ao redor, elas já nascem com ela.

Kelvin achava que tinha perdido sua poesia.

E então, surge Ramiro.

Puro romance na forma de um bruto.

Ele tinha tudo o que Kelvin queria escrever e ler, ouvir e falar, sentir e ser sentido por ele.

Ramiro era rústico, do interior.

Um pouco bruto, mas também um moleque, brincalhão, doce, educado.
Ramiro é o cara sobre o qual Kelvin escrevia quando era adolescente, até o último centímetro.

Ele é profundo, doce e gentil.

Ele é grande e forte e pode derrubar cidades inteiras se quiser, mas não é assustador... Pelo menos não para ele.

Ramiro é o tema de sua poesia e ele nunca soube, separados por alguns estados e vidas diferentes.

Não é o tipo de inspiração que se faz apenas com o corpo, tinha que ser mais. Kelvin, apesar de ser um pouco safado e tudo mais, nunca foi verdadeiramente convencido apenas pela aparência quando se tratava de sentimentos.

Ele se arrisca a dizer que amou apenas uma vez e que isso não teve nada a ver com a aparência, mas com a forma como o cara acendeu seu poeta interior, lhe deu palavras, romance, coração e fome de ser ele.

E, como um ladrão barato, roubou tudo de uma vez em uma noite quente de verão.

Roubou seu papel e sua caneta, seu poema deixado pela metade, rasgado ao meio, levou um pedaço de sua poesia com ele e, até então, Kelvin estava de luto. Ele sentia falta de quem costumava ser.

Não apenas um escritor, mas um leitor, reduzido a uma criança semialfabetizada, tendo que reaprender silabas e consoantes.

Não foi fácil juntar suas palavras novamente, até que ele conseguiu reescrever sua própria alma, colocando suas estrelas alinhadas novamente.

Ele prometeu que no dia em que se curasse, estaria a salvo de qualquer coisa que pudesse danificar seus papéis e roubar sua caneta, tirar seu controle, apagar seu poema... Ele fugiria.

Fugiria como um covarde que havia sido por muito tempo, escondendo-se de tudo que se assemelhasse ao amor, como se foge da morte, porque para ele eram sinônimos.

Amor e morte, até que um deles o separe.

A verdade é que o amor é tão perigoso quanto a morte, se não for mais.

Você só pode morrer uma vez, mas o amor correrá atrás de você com todas as suas forças, o caçará, o sequestrará e o colocará lá... Exatamente onde você foi deixado.

Ele disse a si mesmo que podia parar, levantar-se e ir embora, porque era livre, e também disse a si mesmo que nenhuma pessoa no mundo jamais o roubaria de si mesmo novamente.

Esse é o problema de fazer coisas que você não deveria fazer, elas nem sempre podem ser refeitas.

Agora, Kelvin estava no banco do passageiro, observando Ramiro dirigir, uma das mãos acariciando sua coxa, e ele ficava ali, apenas tentando descobrir como se agarrar a seus papéis e canetas.

Se ele saísse agora, seria seguro.
Mas ele ficaria sem a poesia que estava procurando há tanto tempo, a sua poesia, aquela que ele perdeu.

O que é um artista sem uma musa? Um poeta sem um coração partido, um músico sem a melodia.

FATEOnde histórias criam vida. Descubra agora