A sensação de despertar é sempre muito estranha, como se seu cérebro estivesse tentando receber todas as informações do mundo à sua volta. O som dos pneus derrapando se repetia continuamente em meus ouvidos, era apenas isso, três, quatro, cinco vezes, até que foi sucedido pelo som forte da batida, vidros estilhaçando e a dor do impacto contra meu peito. Quando você é jovem se espera que faça coisas problemáticas, que tenha uma fase rebelde e que desobedeça seus pais. E no fim foi isso que me trouxe até aqui.
O som dos pneus foi substituído por bips que cresciam continuamente até que eu tivesse consciência de onde eu estava. Era tudo confuso demais, mas mesmo com minhas pálpebras pesando me impedindo de abrir meus olhos, eu fiz o esforço necessário para me situar naquele ambiente. Eu estava em uma cama de hospital, e ao meu lado direito eu conseguia ver minha mãe deitada em um sofá que mal comportava seu corpo. A luz que entrava pela parede composta por vidro, que mesmo com as cortinas servindo filtro, incomodava minha visão me fazendo fechar um pouco os olhos.
Minha boca estava seca e minha garganta ardia, o mínimo esforço para abrir meu maxilar já era o suficiente para me deixar exausta. A sonda que passava pelo nariz incomodava um pouco o que me fazia repensar se realmente valeria a pena o esforço apenas para incomodar minha mãe do seu sono. Então não o fiz.
Enquanto esperava que ela acordasse eu repassei as memórias do que me levara até ali. Inconsequência e irresponsabilidade. Depois de uma briga com minha mãe para ir a uma festa de despedida da turma do terceiro ano eu resolvi pular a janela do meu quarto, me arrastar pelo encanamento da calha e entrar no carro do meu namorado, Tomás. Após uma noite virando shots de tequila, vodka e whisky resolvemos, em um horário desconhecido, ir para a casa. Eu me lembro das risadas altas, do cheiro de álcool dentro do carro, da música que saía dos alto falantes, e eu poderia quase jurar que faziam o ar dentro do carro vibrar. Ou isso seria apenas efeito de uma das pílulas que algum aluno do segundo ano havia colocado na minha língua alguns minutos atrás? Não tinha muito tempo para pensar em mais nada, o choque interrompeu meus pensamentos, e aqui estou eu, me perguntando se Tomás estava bem, provavelmente sim, já que eu estava.
Meu corpo doía como se tivesse ficado deitado por muito tempo, e ao levantar minha mão, o que demandou uma quantidade enorme de esforço, percebi que meu braço estava mais magro, e os ossos das minhas mãos estavam bem mais aparentes. Mas isso não foi o que mais me chocou. Depois de todo esse tempo que eu fui perceber que a visão do meu olho esquerdo era completamente preta, eu não estava enxergando daquele olho.
Era impossível, sem chance de eu ter perdido minha visão. A adrenalina no meu corpo foi o suficiente para fazer com que eu me movesse mais rápido do que eu conseguia antes, e isso me fez sentar e levar a mão, cujo dedo tinha um oxímetro, até o olho em que não enxergava e perceber que havia um protetor ocular. O aparelho que apitava começou a acelerar de acordo com meus batimentos cardíacos, o que me incomodou bastante, principalmente pelo fato de que ele acordou minha mãe.
-Eleonore... -Eu olhava para a mulher sentada no sofá onde segundos antes descansava, seus olhos começavam a ficar marejados. -Você acordou!
Seu abraço era quente e reconfortante para me fazer não pensar no quanto minha vida poderia mudar depois daquele acidente.
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A Cidade dos Pesadelos (The Nightmare City)
Teen FictionDepois de sofrer um acidente que acarretou na perda da visão de um de seus olhos, Eleonore, começa a enxergar um mundo novo, sobreposto à nossa realidade. Monstros se agarram às pessoas, tornando seu pior pesadelo ainda mais terrível. Como se tudo j...