Capítulo 1 - Você está melhor?

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Orações coordenadas? Orações subordinadas? Por que essa professora simplesmente não enfia essa merda na própria bunda? Como pode o ser humano inventar um foguete espacial para ir até a lua, mas não conseguir inventar um modo de ensinar português de um jeito mais fácil?

Me reclinei na cadeira acolchoada que com o meu peso cedeu um pouco para trás. A tela do notebook na minha frente já começava a me causar dor de cabeça, por isso decidi que era hora de parar. Dormir tem sido difícil ultimamente, pra ser sincera nunca foi fácil, mas desde o acidente as coisas têm ficado mais difíceis de lidar. Por isso eu tenho acordado de madrugada, a insônia me fez procurar milhares de alternativas de coisas pra se fazer, e infelizmente desde que eu tenho usado o tempo pra estudar, português virou meu inferninho pessoal.

Cidade nova, nenhum amigo além da minha prima Julia e a namoradinha dela, a Lis (elas não assumem, mas todo mundo sabe que elas se comem sempre que dá). Lidar com tudo isso não tem sido fácil, principalmente porque de repente meus pais decidiram que depois de eu passar por um trauma terrível a melhor coisa que poderiam fazer por mim era nos fazer mudar para uma nova cidade onde, no começo, eu conhecia um total de 1 pessoa.

Vocês já devem imaginar qual foi o meu trauma. Mas sabem o que aconteceu depois?

–Eleonore! Venha tomar café, você pode se atrasar. –Eu estava tão absorta nos meus próprios pensamentos que as batidas na porta não me trouxeram de volta para o mundo real, mas a voz de minha mãe sim. No fundo eu sentia culpa por tudo que a fiz passar.

–Já estou descendo, mãe. –Apenas recebi um "ok" como confirmação.

Fechar o notebook, colocar as canetas dentro das gavetinhas de acrílico, fechar o caderno, guardá-lo dentro da minha mochila. Tudo na minha cabeça tem funcionado como um passo a passo. Se eu não fizer isso eu acabo me esquecendo de coisas básicas como colocar minha carteira na mochila ou até mesmo colocar os dois brincos. Sim, é recorrente que eu saia com apenas um deles.

Pego meu celular. Você sabe que faz falta, Tomás?

Na cozinha minha mãe está fritando ovos. O cheiro do tempero que ela coloca por cima é algo que com certeza me faz sentir um pouco melhor. Minha caneca preta com raios roxos já está com café, posso ver o vapor subindo quando me sento na banqueta de frente para o balcão que me separa da minha mãe.

Pilar, uma mãe exemplar, contadora trabalhando em home office desde que eu quase estraguei a sua vida, o motivo da vez era "preciso cuidar mais de você, filha. Não quero que nada de ruim aconteça". Eu não queria que isso acontecesse também, pra ser sincera eu sei que a culpa foi minha e isso me consome noite e dia. Todo seu apoio durante as fisioterapias para recuperar meus movimentos, todo o cuidado, tudo que ela me ofereceu era muito mais do que eu merecia.

Eu faço parte de uma bela família tradicional. Meu pai, Nikola, é um médico conhecido na região, e isso foi uma ajuda enorme para que ele conseguisse trabalho aqui, a cidade fica a cerca de 300km da que eu costumava morar, mas com tantas ofertas de emprego e com uma poupança gorda, conseguimos nos mudar sem dificuldade nenhuma, mesmo que tenha sido as pressas.

–Como está indo na escola? –Escuto minha mãe perguntar.

–Tá tudo bem, a Julia e a amiga dela são muito receptivas. -Dou uma garfada nos ovos que estavam no prato que a mulher tinha acabado de colocar na minha frente. –Vai poder me dar uma carona hoje?

–Claro que sim. –Ela dá a volta na bancada deixando um beijo no topo da minha cabeça. –Você tem se sentido melhor, filha?

A realidade era que não, mas como poderia também? Lidar com o fato de que caso eu retire o protetor ocular...

A Cidade dos Pesadelos (The Nightmare City)Onde histórias criam vida. Descubra agora