Cap 12

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   Meus olhos se abrem com dificuldade. Eu estava em uma maca com uma máscara de oxigênio no rosto e meio zonza com os ouvidos abafados. Estava tudo muito claro. Minha mãe chorava ao meu lado e dizia alguma coisa que eu não pude entender. Os enfermeiros corriam, levando a maca em que eu estava para uma sala. O que está acontecendo?
   Então meus olhos ficam pesados e tudo fica escuro novamente.

...

   Uma notificação chega no meu celular. Pego-o da escrivaninha, onde estava carregando, e olho a mensagem. Meu coração para e meu sangue gela. Quase deixo o celular cair. Era a mãe de Sham.
"Sham sofreu um acidente! Está no hospital agora. Ela quebrou o braço e duas costelas, mas os médicos estão cuidando dela agora."
   Largo a lição de casa que eu estava fazendo, pego o primeiro casaco que vi no armário, calço um tênis e corro até o hospital com o celular na mão. Minha raposinha não... Ela tinha que ficar bem. Eu não podia perdê-la, logo agora que estávamos bem, logo agora que eu tinha conseguido conquistá-la.

...

   Tava tudo escuro e frio. Eu sentia como... Se estivesse flutuando no nada. Sozinha. Como sempre estive. Melhor que eu fique aqui mesmo. penso, vazia. Cansada. Sem medo. Pelo menos eu não me machuco mais... Fecho os olhos e suspiro, desejando ser consumida pela escuridão. Melhor assim... Ninguém sentirá minha falta. Só sou um peso morto. Eu só fazia minha mãe se preocupar, de que adianta eu voltar? Quem eu  iria encontrar me esperando? Pra quê eu iria voltar? Para ser machucada novamente?
   Achou mesmo que era especial?
   As vozes ecoavam ao redor, por todo o lugar, como se estivessem vindo de todas as direções. Estavam altas demais, como se estivessem no volume máximo do alto-falante.
   Você é só um mero passatempo.
   Você não tem nada para dar á ele.
   Ele não nutriu nenhum interesse por uma coisinha como você.
   Insignificante.

   Me encolho, tapando os ouvidos, que sangravam. Cala a boca... Me deixe em paz...
   Adrien me disse que foi um alívio eu ter voltado da viagem, que ele já não aguentava mais você.
   Sua burra ingênua!
   Quem seria capaz de amar você? Uma coisa feia e magra como você nunca será amada por ninguém!
   Achou que alguém seria capaz de amar você?

   — Não! — grito para o nada, chorando. — Só achei que eu merecia ser amada! Achei que eu não merecia mais mentiras! Mas... — minha voz falha. — Eu estava errada...
  Abalada, abraço os joelhos para junto  do corpo, deixando as lágrimas caírem, enquanto tudo ficava em completo silêncio. Agora eram os meus soluços que ecoavam pela escuridão.
   Então escuto uma voz ao longe, abafada. Eu apenas a ignoro. Queria ser deixava em paz. Queria que me deixassem sumir. Mas ela persiste. Era familiar e me chamava desesperada e com medo.
   — Sham! Sham! Volta pra mim! Sham! Por favor, volta!
   Eu não quero voltar... Mas paro de chorar e presto atenção na voz. Apesar de tudo o que eu sentia, tinha alguém me chamando. Tinha alguém que temia me perder... Que me queria de volta. Então, eu não era de todo um peso ou insignificante... A voz fica mais clara e mais alta. Reconheço ela de imediato e sinto que eu não deveria desistir tão fácil assim. Que eu ainda tinha alguém que se importava comigo e que eu deveria voltar por ela e por mim. Mesmo que eu volte a sentir as dores, mesmo que eu volte a ser machucada... Eu não podia desistir dessa maneira.
   Eu tenho que voltar. Não posso ficar aqui...
   — Sham!
   Abro os olhos e me encontro em uma cama de hospital. Meu braço direito estava engessado  e minhas costelas enfaixadas. Doía um pouco quando eu respirava. Meus olhos demoram á se acostumar com a claridade. Escuto o bipe do medidor cardíaco e sinto algo molhado pingar em meu rosto.
   Assim que meus olhos se acostumam com a luz, vejo Adrien inclinado sobre mim com rios de lágrimas caindo de seus olhos dourados. Foi ele quem estava me chamando.
   — Sham! — exclama ele, sua expressão mudando de desespero para alívio, e me abraça. Faço uma careta de dor.
   — Ai. — gemi.
   — Opa, desculpa. — o garoto se afasta e enxuga as lágrimas. Sinto uma mão pousar no meu ombro direito e olho para o lado. Minha mãe estava sentada ao lado da minha cama, sorrindo para mim e com os olhos vermelhos e cheios d'água.
   — Oh, filha! Estava tão preocupada! Nós quase a perdemos... — diz ela, a voz embargada. Seguro sua mão com a mão livre e a aperto gentilmente.
   — O que aconteceu? — pergunto, um pouco desorientada. Olho para Adrien. — Eu só me lembro de ter corrido... E algo me acertar.
   Este se senta na beira da minha cama e olha para mim com suavidade e culpa nos olhos, pousando a mão em minha coxa.
   — Quem nos avisou do acidente foi Lúcia. Ela nos contou o que fez, que falou com você. Que você ficou arrasada e saiu correndo. — confirmei o que ele disse com um meneio de cabeça. Era isso o que eu me lembrava, mas depois do acidente... tudo ficou escuro. — Você atravessou a rua sem prestar atenção e um carro, que vinha à toda, a acertou. Lúcia viu o acidente, mas nos disse que não queria que aquilo tivesse acontecido contigo. Que você ficasse apenas abalada, fosse para casa e não falasse mais comigo.
   Então o garoto se calou, magoado, desviando o olhar.
   — Ela ligou para a ambulância, que a levou para cá e se comunicou comigo. — continua a minha mãe. — Avisei sobre o acidente ao Adrien, que veio para cá imediatamente. Você quebrou duas costelas e o braço, de acordo com os médicos, e esteve desacordada desde ontem.
   Adrien concorda com um meneio triste de cabeça, ainda evitando o meu olhar.
   — Então o medidor cardíaco começou a apitar... — seus olhos ficam marejados novamente. Sinto uma dor no coração ao vê-lo assim. — E-eu fiquei desesperado... Você tinha que voltar para mim. Eu não podia perdê-la...
   — Por isso você me chamou? — indago calmamente.
   Ele olha para mim, surpreso.
   — V-Você me ouviu?
   Assenti, sorrindo de modo suave e carinhoso.
  — Se não fosse por você... Eu teria desistido.
  Minha mãe leva as mãos à boca e Adrien fica espantado com o que eu disse. Então começa á falar rápido.
   — Sham, eu sinto muito. Eu não queria que isso tudo acontecesse com você. Desde quando Lúcia voltou, ela tem me atormentado. Ela não aceitava a minha rejeição. — gentilmente, ele afaga meu rosto. Meu coração se aquece com o toque de seus dedos. — Tudo o que ela disse era mentira. Eu não contei á você porque não quis preocupá-la. Mas ela não irá mais nos incomodar, prometo. Lúcia voltou para São Paulo e, dessa vez, não pretende mais voltar.
   Seguro sua mão e abro um sorriso suave e acolhedor para ele.
   — Tudo bem. Não precisa de desculpar, você fez o que achava ser certo. Eu que fui descuidada...
   — Você também não teve culpa disso, filha. — fala mamãe, sua voz terna e gentil. — Você já está tão acostumada com as pessoas mentindo para você que não sabe em quem confiar. Mas saiba que Adrien te ama demais. Ele veio o mais rápido possível assim que soube do acidente e não saiu do teu lado nem por um segundo.
   Olho para Adrien, surpresa, e percebo que ele está um pouco corado. Sinto a esperança desabrochar dentro de mim novamente. Que bom que eu voltei...
   — Bem... E como é o seu aniversário eu tenho algo para você. — informa Adrien, se levantando e tirando do bolso da calça uma pequena caixinha azul-escura de veludo. Olho para ela, curiosa.
   — O que é isso? — pergunto, franzindo a testa e me sentando com a ajuda de minha mãe.
   O garoto respira fundo e sinto uma estranha ansiedade se agitar em meu peito, sem saber o porquê.
   — Eu li em algum lugar, que agora infelizmente não me recordo onde foi, uma certa frase que dizia assim: "O Amor Destrói, O Amor Cura." — começa ele, de modo calmo e confiante. — Na minha opinião, o amor não destrói, quem destrói são as pessoas que usam a palavra "amor" para machucar ou ter algo de outra pessoa. — assenti, ouvindo suas palavras com atenção. — O amor... Ele é calmo, gentil, companheiro e suave. E você, Sham, foi destruída por essas pessoas que você amou, que você compartilhou esse sentimento, não pelo amor. Essas pessoas não souberam o que fazer com esse seu amor afetuoso e contagiante além de cortá-lo em pedaços e jogá-lo fora.
   "Mas, ao mesmo tempo, mesmo depois do que passou, esse sentimento lhe deu forças para se levantar e continuar. Para se curar. Isso é o que eu mais admiro em você. — Meus olhos ficam marejados e um nó se forma em minha garganta, enquanto eu o ouvia em silêncio. — Você conseguiu se reconstruir e abrir um espaço da sua vida para mim. Esse foi o melhor presente que recebi: fazer parte da sua vida. Esse é um presente tão grande que não tenho como retribuir, apenas de uma forma: lhe dando o meu coração.
   Adrien se ajoelha e abre a caixinha. Dentro dela tinha um anel dourado de margarida. Levo a mão ao peito, olhando surpresa para do anel para Adrien, lágrimas de emoção escorrendo pelas minhas bochechas vermelhas.
   — Agora meu coração lhe pertence, raposinha. — continua o garoto, sorrindo apaixonadamente. — Para sempre. E juro que cuidarei do seu amor, não o jogarei fora como tantos outros fizeram. Eu a amarei com todo o meu ser. Guardarei o seu amor com cuidado e carinho, cultivando-o e cuidando muito bem dele como se fosse uma flor delicada. Lhe darei tudo o que você merece: carinho, afeto, apoio, acolhimento, respeito e, acima de tudo, o meu mais sincero amor. Quero torná-la minha rainha, minha deusa. Quero que seja minha namorada, você aceita, Sham?
   Respiro fundo, tentando ao máximo me recompor. Foi lindo demais... Assenti com fervor, um grande sorriso em meu rosto.
   — Sim... Eu aceito! — respondo com a voz embargada e cheia de emoção.
   Adrien se levanta num pulo, os olhos brilhando de alegria. Minha mãe batia palmas e comemorava. Com cuidado, Adrien coloca o anel em meu dedo anelar da mão esquerda.
   — É lindo! — falo, enxugando as lágrimas e olhando para o anel, depois para o garoto. — Obrigada, Adrien.
   Ele sorri de orelha á orelha.
   — Por nada, raposinha. Fico feliz que tenha gostado.
   Percebo que ele estava se contendo. Rio e puxo-o para perto de mim pela gola de sua camisa. Vejo seus olhos de arregalarem de surpresa e sua face corar antes de dar-lhe um beijo. Fecho os olhos, meus cílios roçando em suas bochechas. Seus lábios eram tão macios e mornos e tinham um leve sabor de mel.
   Passado a surpresa, Adrien retribui o beijo com paixão e carinho, envolvendo minha cintura com seu braço e apoiando minha cabeça em sua mão, afagando meu cabelo e me mantendo perto, como se temesse que eu fosse embora. Meu coração acelera, mas de um jeito bom, e meu rosto esquenta. Sinto-me á vontade com aquele beijo, tornando mais forte o meu desejo e o meu amor por ele. Mas depois de alguns segundos, quando a coisa começa á ficar mais intensa entre nós, minha mãe nos separa.
   — Tá bom, tá bom. Já deu, agora ela precisa descansar para se recuperar. Deixe os amassos para depois. — diz ela.
   Eu e Adrien nos entreolhamos e começamos a rir.
   — Ok, me desculpa, senhora Lupin. — fala o garoto, entre risadas, passando a mão na nuca, ainda envergonhado.
   Faço uma careta. Rir ainda doía bastante, mas fico feliz que tudo tenha voltado ao normal. Fico feliz por ter voltado a rir, sem precisar fingir, e de não ter desistido. Mas, acima de tudo, fico feliz por Adrien e minha mãe estarem aqui comigo. Também por minha mente estar calma e quieta. Finalmente.

O Amor Destrói, O Amor CuraOnde histórias criam vida. Descubra agora