𝟏𝟎

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SOFIA MANZUR
point of view
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Quando cheguei ao trabalho, Rafe já estava acordado. Esperei que ele fizesse uma piada sobre o quão terrível a minha aparência estava naquela manhã e até preparei uma resposta ácida, mas ele não trocou uma palavra comigo. Repousei meu fichário em cima da escrivaninha, junto com duas apostilas e alguns marca-textos. Enquanto isso, coloquei Taylor Swift para cantar sem parar na caixinha de som. Nem isso foi capaz de fazê-lo reclamar.

Eu deveria estar celebrando o silêncio em nome da minha paz de espírito, mas, por algum motivo, a quietude de Rafe me incomodava muito mais do que a sua antipatia descontrolada.

O relógio marcava 9 da manhã quando percebi que não conseguiria me concentrar na leitura sobre tratamento cirúrgico. A cada duas frases que lia, eu sutilmente levava o meu olhar para a cama para garantir que Rafe não havia morrido.

Nós nos conhecemos quando eu tinha 7 anos e ele, 8. Estávamos na mesma turma do 2° ano e, por algum motivo, nos tornamos inimigos mortais. Em toda a minha vida, eu nunca tinha ficado no mesmo cômodo que Rafe sem ser ofendida — ou sem ofendê-lo. Por isso eu senti como se algo muito ruim estivesse prestes a acontecer.

Quis perguntar se ele estava bem. Quis saber exatamente o que se passava pela sua cabeça porque, o que quer que fosse, era o bastante para fazê-lo ficar calado — e isso sim era um milagre. Foi quando o nome de Sarah brilhou na tela do meu celular que eu me dei conta: era manhã de 20 de Setembro. A mensagem. Na noite anterior, cheguei tão exausta da faculdade que sequer abri as mensagens.

"Você pode ficar de olho no Rafe, por favor? Essa semana faz 2 anos que a mamãe morreu..."

E, apesar de eu odiá-lo na maior parte do tempo, eu sabia muito bem os motivos de ele ter ido parar ali dentro. Se eu fechasse bem os olhos, ainda conseguia lembrar da madrugada em que Sarah me ligou aos prantos dizendo: "Ela se foi, Sofia. Minha mamãe se foi". Sarah sempre foi sentimental, nunca conteve suas lágrimas ou manteve os próprios sentimentos escondidos no peito. Rafe era seu completo oposto.

Em uma das tarde em que costumávamos matar um tempo na lancha, lembro de entrar na cozinha e flagrá-lo encolhido no peito da mãe. Amélia já usava turbante e deveria ter perdido uns 8 kg desde o início do tratamento. Ele estava visivelmente arrasado.

— Tudo bem, Rafe? — eu perguntei, genuinamente preocupada.

Ele revirou os olhos e resmungou alguma coisa inaudível. Quis socá-lo por isso porque, como ele podia ser tão arrogante?

— Rafe! — Amélia censurou duramente mas, ao mesmo tempo, acariciou o rosto do filho. — Não se preocupe, Sofia. Meu filho é um guerreiro silencioso.

Eu não sabia o que ela queria dizer com isso até o dia da sua morte. Rafe sequer chorou, mas isso nunca significou nada quando se tratava dele.

Por isso, fiquei tão inquieta. De repente, eu quis que ele criticasse a música da Taylor Swift que ecoava em loop pelo quarto. Quis que Rafe dissesse que a cor azul não me favorecia — o meu uniforme era azul — ou que me chamasse girassol só para me ver chateada.

Mas ele não fez.

Tinha a sensação de que eu não poderia fazer muita coisa considerando o nosso histórico de inimizade. Por isso, voltei a olhar para a apostila gigantesca e destacar trechos importantes com um marca-texto cor de rosa. Ainda assim, a cada vírgula, eu torcia para que o tempo passasse mais depressa. Do lado de fora chovia incessantemente e isso significava que as atividades externas estavam suspensas. A aula de música começaria às 10h.

𝐈𝐍𝐄𝐑𝐓𝐈𝐀, rafe cameronOnde histórias criam vida. Descubra agora