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12 de Fevereiro, 15h13

Inércia.
Na física, a inércia é a capacidade de um corpo para resistir a uma mudança. Em outras palavras, é a ausência de reação.

Desde a noite em que seus respiradores foram desligados, tenho a sensação de que sou incapaz de sair do lugar, como se minha mente e meu corpo continuassem presos na frente do hospital, como se meu coração continuasse rolando na grama. De novo. De novo. De novo. Eu tenho vivido o mesmo dia todo santo dia, em um loop infinito que me deixava paralisado, inerte.

E eu já tinha me drogado antes. Não era como se fosse a primeira vez que eu tragava, tomava ou aspirava alguma coisa. No mês seguinte, quando fiquei chapado, senti que finalmente pude respirar depois de tanto tempo morto. Então fiz de novo. Comecei a usar todos os fins de semana até não sentir mais o palpitar no peito e aquela euforia. Precisei aumentar consideravelmente a quantidade de entorpecentes. Passei a usar dia sim e dia não. Depois, todos os dias, às vezes duas vezes. Eu sequer me importava se estava viciado ou não. Eu só não queria encarar a vida...

E aí encarei a morte.

E o mais assustador é que eu não tive medo. Não. Eu estava feliz por partir. Mesmo quando Sarah invadiu o meu quarto aos prantos e gritou por Ward, mesmo quando Wheezie se ajoelhou ao meu lado e vomitou uma dezena de orações e rezas que aprendera nas missas de domingo, implorando à deus que eu não morresse.

Eu estava feliz até ver o relicário.

Ganhei no natal antes da sua partida. Passamos o fim do ano sentados no chão gelado do hospital, compartilhando uma xícara de chocolate quente e cookies com marshmallow. O médico disse que as coisas estavam mais complicadas. Wheezie não fazia ideia do que "metástase" significava, mas eu entendia. De madrugada, enquanto eu me remoía em angústia e melancolia, senti sua mão gelada, fraca e delicada tocar a minha.

"Continue firme, Rafe. Continue por mim e por elas", você disse.

A frase começou a rodear a minha mente no momento em que senti a alma prestes a escapar do meu corpo. Então, eu chorei. Chorei pela Wheezie, porque nunca mais seria arrastado para o seu quarto para maratonar aqueles filmes ridículos da Barbie. Chorei por Sarah, porque não sobreviveria para participar da sua formatura no ensino médio. Chorei por Ward, porque, apesar de ser um filho da puta na maior parte das vezes, eu vi o desespero de um homem que estava prestes a perder mais uma parte do seu coração.

Mas principalmente, chorei por você, mãe. Porque eu não seria capaz de cumprir a promessa de continuar.

Não acredito em deus, mas rezei silenciosamente naquela noite. E, por um milagre, ainda estou aqui, preso à uma maca de hospital enquanto os médicos fazem o que podem para tirar toda droga do meu corpo. Dizem que a pior parte já passou, que estou vivo, mas vivo é uma palavra muito forte quando se está apenas respirando.

Inerte.

[...]

13 de Fevereiro, 01h18

Houve um momento, dentro de todos os meus 23 anos de existência, em que tive medo da morte. Hoje tenho medo da vida, mas não de uma forma mórbida. Tenho medo da vida da mesma forma que uma criança tem medo de encontrar um fantasma no caminho entre o interruptor da luz do quarto e a cama.

Recusei todas as visitas de hoje. Até de Wheezie, Sarah e Ward.

Porque eu vi, da forma mais cruel e dura possível, o que fiz com eles: eu destruí e traumatizei a minha própria família.

O medo da vida sem você me deixou inerte. Por isso tomei uma decisão e preciso escrever para saber se faz sentido: assinei os papéis da reabilitação. Amanhã vou pegar as minhas roupas e serei internado.

Estou tentando cumprir a promessa, mas é por você, por Sarah, Ward e Wheezie. Espero que eu consiga voltar à vida. Espero que eu consiga me mover.

"Continue firme, Rafe."

Eu te amo, mamãe. Eu sinto sua falta.

Com amor,
Rafe.

𝐈𝐍𝐄𝐑𝐓𝐈𝐀, rafe cameronOnde histórias criam vida. Descubra agora