ANTES DO ACIDENTE.Caroline
Não sou uma pessoa supersticiosa. Mas desejei ser no momento em que foi literalmente arrastada para uma festa pela minha amiga e o seu novo ficante. Minha mãe acena da porta com um sorriso maior que a cara.
— Ainda bem que ela tem você como amiga, para poder sair um pouco. — Fala alto. Arregalo os olhos em indignação.
— Mãe! — Protesto.
— Tchau, dona Helen. A gente volta depois das 12hs. — Celine se despede.
Léo abre a porta do carro. Entro sozinha para não ser empurrada para dentro, ainda sem acreditar que a minha própria mãe fez isso comigo. Estava tão empenhada em escrever o meu próximo livro. Já tinha terminado a faculdade de letras ano passado e decidi seguir fazendo algo que gosto para ganhar dinheiro e ocupar a mente.
Mas aparentemente, só eu penso assim. Todos acham que vivo no quarto 24 horas por dia e só saio para beber água e comer. O que em parte é verdade. Mas veja bem, é do meu trabalho que estamos falando. Minha mãe só aparece de vez em quando na minha casa, ela tem a mansão dela.
— Você também tem que viver um pouco, sei lá, parar e respirar de vez em quando. Ter mais experiências amorosas para variar. — Minha melhor amiga repete o mesmo discurso motivador de sempre, enquanto aperta o volante do seu Gol vermelho.
Reviro os olhos.
— Já tive muitas decepções amorosas!
— Conversar com alguém por 30 segundos e perceber que não gosta dela, não é uma decepção amorosa de verdade.
( … )
Ponho o capuz amarelo do meu moletom favorito, é do Pikachu. Tem orelhas com as pontas pretas. É o meu preferido, eu amo os Pokémons desde pequena. Eles são fofos e dá vontade de apertar. Sou um pouco infantil e choro com filmes de animais, pois é, essa sou eu, ignorado os meus 25 anos.
Tiro o cinto de segurança. Sai primeiro fechando a porta. Pego o celular para olhar se tem alguma mensagem. De repente parece o número da minha editora me ligando. Aceito a ligação, Celine sai junto do Léo e eles vêm na minha direção abraçados.
Faço um gesto de mão para eles entenderem que eu já vou.
“Alô.”
“Caroline, estamos esperando os próximos capítulos para a betagem.”
A voz aveludada e bem humorada da mulher do outro lado da linha me dá calafrios.“Eu, eu não vou mentir. Minha amiga me arrastou para uma festa, e vou atrasar um dia.”
“Uou, mesmo? Sua mãe me ligou avisando. Achei que fosse brincadeira. Nem acredito. Então, aproveite a noite. Todo mundo merece um descanso.”
Abro a boca perplexa. Todo mundo resolveu se juntar contra mim. Deve ser muito bom se entupir de álcool e acordar na cama de uma desconhecido sempre que dá. Suspiro, desistindo. Ela provavelmente teria essa reação por ser amiga da minha mãe.
“Obrigada, eu acho.”
Encerro a ligação me despedindo de forma educada. Quando me viro, a trilha mal iluminada pelas latas de lixo com fogo dentro espanhas me dá certo medo.
Ando com as mãos nos bolsos do moletom. Está frio, por sorte vim de calça. É um modelo surrado e rasgado, cintura alta, as pernas folgadas. Não sou tão doída de vir de short. Porque eu nunca usaria uma saia, nem que me pagassem.
Abaixo o capuz olhando em volta. A procura da minha amiga. Troco o peso dos pés com impaciência. Ela veio na frente, mas foi a idiota aqui que mando. Faço um coque usando o meu próprio cabelo ruivo cacheado para prender, simples e prático. Um cacho pequeno fica na minha testa.
Ando mais um pouco, procurando os dois, passo por pessoas aleatórias. Ver menores de idade bebendo já não me surpreende mais. Ela acena de longe, ando apressada em sua direção. Ficar sozinha nesses lugares me incomoda mais do que vir para eles.
— Você demoro.
— A Nayara só queria saber do meu atraso. Que é culpa sua e da senhora minha mãe! — Aponto para ela.
— Tão dramática, deveria ser escritora! — Ri da minha cara. Seu ficante abraça ela por trás. Eu meio que não sabia o que estava rolando entre eles, nunca vi ela passar tanto tempo com um cara só.
Mostro a língua. Pondo o capuz quando os olhares curiosos me incomodam:
— Eu já sou.Se você escreve, então você é escritor. Eu suponho. Me encolho, os olhares me incomodam, não sei se estão olhando para mim ou só achando meu moletom ridículo como a maioria. Sou insegura, e ficar pensando o que acham de mim é inevitável. Queria dizer que não é o meu caso, mas seria mentira.
— Ei, relaxa. São só pessoas.
— Esse é o problema!
— Não deveria se preocupar com elas. — Léo olhava por cima da minha cabeça.
— É, e com quem eu deveria me preocupar? — Faço um círculo na areia com a ponta do tênis sem dar a mínima.
— Kim Doyoon.
— E por que? — Ri sem humor.
— Por que ele está te comendo com os olhos, como se fosse te devorar. E não se engane pelo rosto bonito, ele está no topo da porra da cadeia alimentar. — Minha amiga enfatiza, séria.
Abri um sorriso sem acreditar. Viro o rosto olhando para onde eles olham tentando disfarçar. Não disfarço, pelo contrário. Meus olhos encontram os seus, isso realmente me surpreende. Ele tem os cotovelos apoiados nos joelhos, uma bebida na mão, e me encara sem piscar.
As veias dos seus braços me chamam atenção, ele tem muitas tatuagens, cobrem o pescoço e os braços, correntes e anéis. Desvio o olhar, me voltando para minha amiga. Achei que fosse brincadeira. Por isso virei de modo nada discreto.
Puxo as orelhas do capuz envergonhada, na tentativa falha de me cobrir.
— Ele está me olhando mesmo.
— E agora, está rindo também! — Léo acrescenta.
Procuro um lugar para sentar. Sento no tronco atrás do casal tentando me esconder. Pego o celular vendo as horas. Será que se eu pedir um uber ainda dá para ir embora? O problema é a minha mãe, vou ter que pular a janela da minha própria casa.
— Ei, nem pense nisso. — Toma o celular da minha mão. — Acabamos de chegar. Se te incomoda. É só evitar ele, como você sempre faz com todo mundo.
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Egoísmo.
RomanceSinopse: Desde que se entende por gente, Caroline não confia em ninguém. Nem na sua própria sombra. Não é por mal, ela apenas mantém o benefício da dúvida. Medrosa e insegura, ela sempre pensa duas vezes antes de fazer qualquer coisa. Ao ser arrasta...