Cápitulo 1: On Guard

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Quinta feira, pouco mais de seis horas da manhã, o sol já se fazia presente no céu e eu me preparava para uma corrida pela orla da praia. Em meus fones tocava alguma música aleatória, mas alta o bastante para tentar anular meus pensamentos, mas eles conseguiam superar o volume extremamente alto da música, me fazendo correr cada vez mais rápido.
Enquanto mais eu corria, mais sentimentos antigos e presentes me dominavam. Eu já não corria mais por um hábito de boa saúde, eu corria para fugir, eu corria com um medo martelando no meu peito, eu corria, corria sem nenhum rumo a não ser encontrar a paz.

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De volta ao hotel em que estava hospedada, pensava na morena da tarde anterior. Eu não sabia seu nome, nem ela ao meu. Não sabia sua idade, com o que trabalhava. A única coisa que sabia era que ela era boa com conselhos.

Pouco tempo depois que o sol se pôs, ela se afastou de mim, sem uma palavra, apenas um olhar com algum tipo de promessa de que nos encontraríamos novamente. Algo que mesmo não querendo, me deixava ansiosa. Ela me despertou uma curiosidade que há tempo eu não sentia.

Em meu relógio, preso seguramente em meu pulso direito, já marcava oito horas da manhã. Vestida com minha roupa habitual de trabalho, que consistia em um terninho feminino e um sapato social, me dirigi ao museu de Maceió. Ali eu estava a trabalho, supervisionando uma das maiores exposições de minha carreira. Algo que derramei suor, lágrimas e algumas brigas para juntar. Essa exposição era o trabalho de minha vida e eu estaria radiante se não fosse Fernando, meu chefe me rodeando como um urubu me pressionando.

Ao chegar no museu, fui encurralada de perguntas. Qual peça eu queria que ficasse na sala principal, qual ficaria na exposição da ala leste, era tantas coisas que não consegui pensar em mais nada. O que era bom, meus pensamentos finalmente haviam acalmado.

Depois de horas de trabalho sem parar, fui ao meu escritório. Ele ficava no primeiro andar, perto da escada da ala norte. Não era um escritório enorme, eu havia pedido que tivesse apenas o que eu fosse precisar, uma mesa, um notebook e um bom wi-fi. Sentei em minha mesa e em minha frente havia uma peça dourada, a primeira que havíamos encontrado na escavação. Lembranças de como havia conseguido aquilo me tomou. A saudade de um tempo não tão distante, a saudade dos momentos que partilhei com minha equipe, a euforia ao descobrir o que aquilo era. Fui tirada de minhas lembranças com uma batida na porta.

- Entre! – Ana, minha assistente e melhor amiga, abriu a porta entrando logo em seguida.

- Precisamos decidir algumas coisas sobre a exposição. – disse Ana enquanto se sentava na cadeira em frente a minha mesa. – As últimas peças que você pediu acabaram de chegar, e o sarcófago principal vai chegar daqui 10 dias.

- Maravilha. Vai dar tempo de catalogar tudo. – disse abrindo meu notebook e abrindo meus e-mails – Tem notícias da Angela e do Mikel? – Os dois fizeram parte da mesma equipe que eu, eles foram os primeiros que chamei quando desconfiei do tamanho da descoberta que tínhamos em mão.

- O voo deles está marcado para o dia 22.

- Porque a demora? – seria exatamente 3 dias antes da exposição – eles deveriam ter vindo comigo.

- Eles falaram que as autoridades do Egito estavam os questionando por tudo, cada poeira que era mandado para cá. – Ana disse parecendo tão confusa quanto eu.

- Mas esse era o trabalho do Fernando, ele como chefe da escavação deveria ter visto tudo isso antes de embarcar para o Brasil. – Fernando tinha a péssima mania de colocar as outras pessoas para fazer o seu trabalho. Ele adorava o reconhecimento, mas tinha horror de trabalhar por ele.

- Você sabe como ele é – ela dá de ombros. Todo estavam fartos dele.

Ficamos a maior parte da manhã resolvendo as pendências burocráticas da exposição. Até que a fome apertou e resolvemos sair a procura de um restaurante. Não tinha mais de uma semana desde eu havia voltado ao país, a maior parte do meu tempo estava sendo passado no museu, até mesmo para comer havíamos optado por pedir por aplicativo, assim conseguíamos mais tempo para finalizar de catalogar tudo.

- A Gabriela, do RH, me falou que tem um restaurante que serve um siri mole ao coco maravilhoso. – disse Ana assim que entramos no carro que ela havia alugado.

- Por mim pode ser, sempre ouvi falar muito desse prato mas nunca provei. – falei conforme conectava meu celular no bluetooth do carro e escolhia uma música.

Não demorou muito para chegarmos ao restaurante. Ele ficava no centro da cidade, era um restaurante simples, tinha um amplo salão com algumas mesas já ocupadas. Assim que chegamos o garçom veio e nos acompanhou até a mesa. Fizemos o nosso pedido e enquanto aguardávamos Ana me contava sobre a sua paquera da cidade.

- Posso dizer o quão surpresa fico como em todo local que você passa não demora mais de 2 dias para você ter um encontro. – disse dando risada. Ana era uma mulher muito linda, era alta, sua pele preta, seu cabelo afro muito bem cuidado e um sorriso que chamava a atenção por onde passava.

- eu não tenho culpa se eles não resistem a mim. – rimos e logo o garçom chegou com nossos pratos. - você já foi para Maragogi? – Ana me perguntou antes de colocar a primeira garfada na boca.

- ainda não. – levei o garfo a boca quase me derretendo com o gosto da comida. – isso é muito bom. – levei o guardanapo limpando os cantos de minha boca. – entre os preparativos e o cansaço que me rende, não tive tempo de turistar.

A dias minha rotina era acordar cedo, correr, ir para o trabalho antes das 7h e voltar depois das 22h. ontem tinha sido o único dia desde a minha estadia que havia saido mais cedo.

- você não sabe o que está perdendo. Foi lá inclusive que conheci o pecado em forma de homem vulgo Patrick. – dei risada. – Já sei! Patrick disse que tinha uma amiga maravilhosa, engraçada e S – O – L – T – E – I – R – A. – revirei os olhos conforme ela soletrava.

- da última vez que você deu uma de cupido eu acabei saindo com uma mulher que não tinha superado a ex e ficou o encontro todo falando sobre como sentia falta dela. E na hora de pagar a conta ela fingiu uma dor de barriga e saiu correndo para o banheiro.

- okay – ana disse rindo – não foi uma das minhas melhores tentativas – levantei a sobrancelha direita em direção a ela – mas vai. Só mais essa vez. Patrick disse que ela é muito legal.

- e para onde iriamos? – me dei por vencida.
- Para Maragogi.

E esse foi o assunto do nosso almoço.

O horário de saída nunca me pareceu tão distante. Eu estava tentada a voltar para aquela praia, beber mais uma cerveja e quem sabe encontrar aquela morena novamente. Quando sai do museu, pensei em ir diretamente para lá, mas eu já não me sentia mais confortável com aquelas roupas.

Passei rapidamente no hotel, tomei um banho rápido e escolhi por fim um vestido soltinho, que deixava a mostra todas as tatuagens que a roupa social escondia. Passando pelo quarto, no canto estava apoiado meu violão, meu companheiro de cada viagem. O apanhei, ele seria a minha companhia ao assistir um verdadeiro espetáculo.

Passei novamente no mesmo quiosque de madeira escura da tarde anterior, comprei as mesmas duas latinhas de cerveja e me sentei no mesmo lugar de antes. Coloquei as latinhas a minha frente, e enquanto olhava o horizonte comecei a dedilhar o meu violão. Ele era simples, sem muito adereços, tinha alguns riscos por sua pintura levemente desbotada, marcas de uma adolescência conturbada.
Continuava tocando enquanto acontecia o beijo entre o sol e o mar. Conforme ele ia se abaixando, ia me acalmando.

Horas depois, mais relaxada por conta das cervejas que tomei, resolvi voltar ao hotel. A morena não apareceu, tolice minha achar que a encontraria novamente. Confesso que essa vontade de a encontrar não era algo que estava acostumada. Normalmente, sou a pessoa de poucas palavras, observo e pondero, raramente deixo minha curiosidade levar o melhor de mim e ela conseguiu, em poucos minutos, o que muitos não conseguiram em anos. Talvez não a encontrar hoje tenha sido o melhor.

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