FRAGMENTO IX

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Zarlok manteve a expressão impassível ao olhar para o rosto ferido de Istis — só o rosto e só um corte. Um pequeno acima da sobrancelha. Não viu o sangue escorrer, mas viu quando Giusse a atacou.

— Não se assuste com isso, filho. — A voz do homem quase não saiu. — Sua irmã se perdeu no caminho de volta para casa e algo acabou tomando o lugar dela. Isso aqui — apontou para o corte — foi minha última tentativa de achá-la.

Tsc tsc.

— Bem, nunca destinei elogios a você, mas garoto... não cansa de me impressionar. Caminhar no escuro é um feito para poucos. Fez um longo caminho, não fez? Me diga como foi. Quero saber tudo que passou.

Mas só obteve silêncio. O garoto não se dignou a responder.

— Não quer conversar? Pelo menos agora gostaria de ouvir sua voz. Me responda, por favor.

Não saiu nada da boca do garoto.

— Então terminarei isso. — Pegou o archote aceso suspenso à parede e encaminhou-se para fora do celeiro. — Pagarei por meus pecados depois de morto... Adeus, meus filhos — sussurrou.

Espere Lok ordenou, e Giusse parou no mesmo instante. — Por quê? Por que faz isso? — Sua voz era baixa.

— Será melhor para você se não souber.

— E pretende me matar sem olhar em meus olhos? Venha cá — chamou. — Me faça chorar!

O archote pairou ao ar quando Giusse o soltou de seu aperto. Estava à frente do garoto mesmo sem querer.

— O fogo será a última dor que te causarei. Chorará quando começar a queimar.

— Não dará falta de nós?

— Sua irmã mais velha está viva, e eu ainda sou jovem. Posso fazer outros filhos.

Lok deixou escapar uma risada maluca.

— Mas não fará — disse antes de cravar a ponta do punhal no pescoço de Giusse. A garganta do homem rasgou em gritos e seu

ataque de fúria fez Lok voar pela terceira vez no dia. O garoto caiu na escuridão da noite, mas não ficou no chão. Levantou-se depressa e correu de volta a Giusse. O maldito segurou seu primeiro ataque, mas não seguraria o próximo.

— ZARLOK! — O grito veio acompanhado de mais três golpes de Lok; duas facadas no braço e uma no ombro. A próxima seria na carótida se Lok conseguisse manter os pés no chão. Fora lançado à parede desta vez. O impacto foi fraco, mas ainda sentiu pontas de pregos velhos perfurarem suas costas. Se Istis não estivesse em perigo, teria desistido da luta no primeiro ataque do pai.

— COMO? POR QUE... VOCÊ! VOCÊ! — Giusse alçava do chão devagar, quase não tinha equilíbrio. Lok tentou levantar primeiro, mas foi suspenso ao ar tão rápido quanto um bote de uma cobra.

O garoto era esmagado pelo nada. Se a raiva de Giusse não cedesse, as desbotadas paredes do celeiro receberiam uma nova coloração.

— Fui enganado! Fui enganado de novo! Meus filhos... meus malditos filhos — sussurrou. — Ambos consumidos pelo demônio.

Só o fogo não bastará a você, Zarlok.

M... — Lok lutava para falar. — Me-Me... so-solte.

E Lok caiu ao chão. Livrando-se do esmagamento.

— NÃO! — berrou o homem. — DESTA VEZ NÃO!

Uma corda voou pelo celeiro. A corda que Giusse achou ter usado para prender Lok à cadeira. A corda que enforcava o pescoço de seu filho.

Lok foi puxado celeiro afora com a corda o estrangulando. Tentou se desvencilhar, mas o sisal era como uma lixa em seu pescoço.

Só conseguiu se debater.

— Você terá uma surpresa, Zarlok. Uma ótima surpresa! Gosta de covas? Deve gostar se cavou uma. Que honra deve ser poder cavar a própria cova! Quero que a aproveite, meu garoto.

Com um chute bem-dado nas costelas, Lok caía no fundo da cova. Engoliu terra com a queda, tossiu e quase vomitou. Mas não se importou. Só buscou entender o porquê de ainda estar respirando. O pescoço era carne viva e sua cabeça parecia uma ameixa de tão roxa. Se não chorou com isso, não choraria com mais nada. E morrer? Morreria com a próxima tentativa de Giusse? Duvidava até disso.

— Agora tente falar! TENTE ME DAR ORDENS! — O sorriso que o homem deu cobria metade do rosto. Cedeu entrada à loucura. — Pensar que tentei fazer você ser como eu... algo impossível para você. Nunca chegou perto do meu nível! Nunca chegou! Sempre foi um Imprestável! Incapaz! Mas quem sabe no inferno você tenha utilidade... Queime, Zarlok!

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