FRAGMENTO V

9 5 2
                                    

O archote caiu na cova consumindo todo o corpo de Zarlok. Seu grito de agonia teria sido ouvido nas terras mais distantes dali. O fogo levaria seu corpo e alma, assim como Giusse disse. O garoto não existiria mais. O filho não existiria mais. E logo a filha se juntaria a ele.

        Decidiu voltar para Istis quando Zarlok sumiu por completo em meio às chamas; era esperado que o garoto estivesse sem vida com o corpo carbonizado.

        Chegou ao celeiro quase rastejando. Os ataques de Lok mostraram-se eficazes, afinal. Viu o brilho do punhal na direção de onde a filha estava. Tentou enxergar Istis amarrada à cadeira, mas a escuridão da noite consumia toda luz. Pelo menos aos seus olhos, pois, acima de sua cabeça, um archote flutuava resplandecente. Demorou a notar que não estava em completo escuro, mas quando notou... sua fúria voltou.

        — Basta! Acha que farei parte dos seus truques? Acha que temo você? Você devia me temer! Não serei sua marionete! Você não me controla! — As ofensas não cessavam. — Cansei de sua injúria, demônio. Cansei de você! Já passa da hora de se juntar a Zarlok. Ouviu como ele consegue gritar? Quero que se inspire nele! Não consegui vê-lo chorar, mas não deixarei que se livre do fogo até ouvir seus gritos. Aguent...

      Não aguentou. Tombou com os joelhos no chão antes mesmo do segundo golpe. A cabeça foi o alvo; a grande cabeça de Giusse. Teve que receber quatro pancadas para começar a compreender a realidade. Os ataques não paravam, mas Giusse não ousou a reagir. Desta vez permitiria que o filho soltasse sua fúria. Soltasse toda sua fúria.

        O grito de Zarlok acompanhou seu ápice. Giusse foi varrido para fora do celeiro, assim como fizera a seu filho minutos antes. Assim como Giusse sempre fizera. Estava quase morto. Mas Zarlok buscava além do quase. Pegou a pá e correu ao pai. A Luz do archote no celeiro permitiu que Lok o atingisse nos lugares onde queria. Primeiro focou em perfurá-lo na barriga com a ponta da pá; subiu ao peito e depois partiu para as mãos. Cravou a pá ao meio das palmas, separando oito dedos do resto do corpo e voltou a amassar a cabeça. A violência dos ataques crescia a cada golpe, e Lok não mostrava hesitação.

        — Olhe para você — disse Zarlok no fim. — Morrendo nas mãos do filho incapaz. Hoje pude ver como a obstinação leva as pessoas ao delírio. Você falhou na vida, Giusse. Falhou como pai e homem. Falhou comigo. Que seu castigo seja equivalente às ações que tomou em vida. — Zarlok ergueu a pá à altura dos ombros. — Me verá chorar agora.

        E a pá caiu no pescoço do pai.

Marcas do PoderOnde histórias criam vida. Descubra agora