MARY IX

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— O que houve? Não gostou do tempero? — Joana quis saber. Naquela manhã, Mary sentava-se à mesa com ela. — Devia ter perguntado se gosta de pimenta, me perdoe.

        E, de novo, Mary perdeu o foco. Puxava um cabo de guerra mental desde o momento em que entrou na cozinha e se deparou com Joana enfeitando a mesa para o café. De um lado da corda estava a Mary disposta a prestar atenção ao assunto, do outro, a que não se importava com nada do que a velha dissesse. Essa também teorizava o motivo de estar sentada sozinha.

        — Seus cabelos estão lindos hoje, Mary. Oh, Mary? Você está bem?

        Mary? Cabelos lindos? Ela tá brincando, pensou.

        Sentiu que precisava dizer algo. Então disse a coisa mais apropriada que pôde.

        — A pimenta não me incomodou, mas não gosto de omelete.

     — Querida, você precisa comer. Muitas horas de sono nos fazem sentir fome.

        Querida? Isso foi demais para a garota.

        Afastou o prato para o centro da mesa e se levantou.

        — Não vou aceitar sua falsa amenidade. — Era a primeira vez que confrontava Joana assim.

        — Por que não senta e se acalma? — Joana cruzou as pernas e alinhou a postura. — Não precisa comer, se não quiser.

        —  Não vou comer.

        — Sim, foi o que eu disse.

        Mary olhou em volta. Achou ter ouvido alguma criança se aproximando.

        — Sente-se, Mary. Está muito aturdida, não há nada para fazer a não ser conversar. Posso começar, se quiser.

        — O que quer de mim? — Não temeu em perguntar. — Por que arrumou a mesa? Sou eu quem devia fazer isso.

        — Não entendeu o que eu disse? Você perdeu o horário, querida. Com sua ausência, eu mesma preparei a mesa. A do café da manhã, do almoço... e agora do café da tarde. E antes que questione, não quis te acordar. Você faz tanto todos os dias. Te dei esse descanso extra. Revigorou as energias, não é?

        Mary não sentiu culpa por acordar tarde. Mas sua surpresa ao descobrir isso foi tanta, que precisou voltar a sentar.

        — Onde está Dante? — perguntou.

       — Pedi que fosse até a feira buscar um conhecido meu. — Tossiu. — Há muitas folhas no telhado. Esse meu amigo pode cuidar disso, mas como ele não conhece o caminho até aqui, disse que Dante iria buscá-lo. — Voltou a tossir.

        Mary ergueu uma sobrancelha. Nunca ouvira Joana tossir antes. A velha estaria doente?

        A tosse se prolongou por mais alguns minutos e só parou quando Mary lhe ofereceu um copo de água. O estranho foi Joana não ter movido um músculo durante a crise. Parecia esperar que Mary a ajudasse.

        — Que loucura — disse Joana, ainda ofegante. — Esse clima... não está bom.

        — É, não está.  — Mary pensava se já poderia sair dali. Joana não falou mais nada, então a decisão que tomou foi um sim.

        — Aonde está indo, Mary?

        O que essa velha quer?

        — Vou subir.

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