Cap.04

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Com duzentos e cinquenta milhões no banco, estava fazendo o quê? Parado de cueca noporão, remexendo caixas até então fechadas, procurando seus velhos anuários de escola.Uma maneira de passar o tempo.Jörgen Petersson conseguiu abrir e inspecionar aproximadamente metade das caixasantes de encontrar o que queria. Considerando que o tesouro normalmente se esconde noúltimo baú, achou que estava com sorte.Ele folheou o livro, olhando de relance para as fotos da turma e procurando nomes.Sim, é claro. Ele. E ele. Ela não era a irmã do...? A filha do professor que parecia querersumir de vista na foto. O garoto que botou fogo no playground. A garota que cometeusuicídio. E aquele pobre camarada que tinha de cuidar dos irmãos e sempre dormia nasaulas.Um momento madeleine após o outro, à la Proust.Por fim, a turma inteira. Jörgen levou um choque. Eles eram apenas crianças, os cortesde cabelo e as roupas testemunhavam a passagem do tempo. No entanto, a fotografia empreto e branco ainda o fazia se sentir desconfortável.Ele olhou para a foto, examinou fileira após fileira.Seus colegas o encaravam de volta. Jörgen quase podia ouvir o clamor do corredor: oscomentários, os gritos, os empurrões e as risadas. A questão era a luta por poder. Mantersua posição na hierarquia. As garotas se controlavam, os garotos eram mais enérgicos.Os quatro mais bagunceiros no fundo. Braços cruzados, encarando confiante ediretamente a câmera, irradiando seu domínio do mundo. Julgando pela expressãopresunçosa, eles certamente não imaginavam uma realidade além da sua.Um deles, Morgan, havia morrido de câncer um ano atrás. Jörgen se perguntou sealguém sentia falta dele. Ele certamente não.Jörgen seguiu pelas fileiras de nomes. Havia esquecido alguns deles e foi forçado aolhar as fotografias individuais para tirar alguma informação de seus arquivos mentais.Sim, é claro.No entanto, mesmo assim ele não reconheceu dois ou três de seus colegas. Os rostose os nomes não bastavam. Eles haviam sido apagados de seu cérebro, como os rostosindistintos no quadro de Lasse Åberg.Jörgen olhou para si mesmo espremido na primeira fila, quase invisível e com umaexpressão de quem estava implorando para sair dali.Calle Collin parecia feliz. Um pouco distante, despreocupado quanto a não pertencer aoesquema, forte o suficiente em si mesmo.A professora, meu Deus, a velha era mais jovem na foto do que Jörgen agora.Ele colocou todas as caixas de papelão de volta no lugar e levou o anuário para cima.Iria olhar para as fotos até que elas não o assustassem mais.Foi até a cozinha e ligou para seu amigo.— Vamos tomar uma cerveja?— Só uma? — perguntou Calle Collin.— Duas, três. Quantas você quiser — disse Jörgen. — Desencavei alguns dos nossosvelhos anuários. Vou levá-los comigo.— Por que diabos?

Não Voltarás (Hans Koppel)Onde histórias criam vida. Descubra agora