Capítulo 05

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De uma forma desajeitada, o copo escorregou da minha mão, em um movimento rápido o rapaz conseguiu evitar que ele espatifasse no chão, porém a água acabou encharcando sua camisa.

― Ai, não, meu Deus! Me desculpa ― exclamei, petrificada pela minha falta de habilidade motora.

Christopher levou alguns segundos para processar o que acabara de acontecer.

― Isso é uma indireta para eu tomar banho? ― disse com um sorriso brincalhão e eu balancei a cabeça negando, sem conseguir falar, morta de vergonha. ― Não se preocupe, foi nada de mais...

Ainda constrangida pela situação, meu instinto protestou para que eu buscasse consertar a lambança que tinha causado, por isso peguei alguns guardanapos em cima da mesa.

― Sinto muito, sou tão desastrada. ― Rapidamente, comecei a enxugar o pano, sem adiantar muito.

Meus dedos tremeram e não era só pelo toque em sua barriga, com os olhos lacrimejando, eu me vi esperando que o silêncio fosse quebrado por gritos furiosos, mas quando nenhum som além da música distante da festa chegou aos meus ouvidos, a ansiedade aumentou. Não iria conseguir enfrentar a sinfonia tão conhecida por mim se o rapaz reagisse dessa forma, então saí correndo da cozinha assustada.

― Ei, gatinha, vamos jogar verdade ou desafio? ― Poncho anunciou logo que me viu passar.

― Me erra! ― resmunguei irritada, enquanto lutava para segurar as lágrimas.

Caminhando para a saída, meus passos pareciam mais pesados do que nunca, a angústia me consumia por dentro, eu encarei o jardim à minha frente, sentindo uma dor no peito tão sufocante que era difícil respirar. Avistei um dos bancos brancos de ferro de decoração vazio, resolvendo sentar para conter as emoções tumultuadas dentro de mim. Encontrei um alívio momentâneo por observar as flores coloridas e o ar fresco do fim de tarde, entretanto eles não eram capazes de dissipar por completo a nuvem escura que pairava sob meus pensamentos. Ir para casa significava ter que lidar também com as falaçadas incessantes dos meus pais...

Aos poucos consegui controlar minha crise interna, após liberar o choro preso na garganta, eu me acalmei, a dor no peito ainda permanecia lá, só que agora era mais suportável.

― Dul? ― Ucker me chamou preocupado, assim que o fitei, não pude deixar de notar que ele havia trocado de camisa. ― Está tudo bem?

― Estou melhor, obrigada! ― Limpei o canto do olho. ― Nossa, você foi até em casa trocar de roupa? ― Apontei para sua blusa preferida da banda Charlie Brown Jr.

― Você fala como se eu morasse no Japão ― ele respondeu sorrindo, ao mesmo tempo que se acomodava do meu lado. ― A minha casa é aquela ali, esqueceu? ― Inclinou a cabeça para a esquerda.

Soltei uma risadinha, claro que eu lembrava!

― Talvez sua memória de criança seja péssima, mas você costumava andar de bicicleta pelo meu quintal com duas maria-chiquinhas, quase sempre.

― E banguelinha ― retruquei, envergonhada ao recordar.

Apertei um lábio no outro, sentindo minhas bochechas corarem, muito nervosa por ele trazer essa história logo agora.

― Por que você saiu daquele jeito? ― Oh droga, achei que o Ucker fingiria que nada aconteceu.

Eu encarei seus olhos castanhos amendoados, refletindo se contava a verdade ou inventava uma desculpa. Por alguns segundos, fiquei paralisada admirando sua beleza, ele possuía os cabelos curtos em um tom escuro que caíam sobre sua testa, além de longos cílios que dava inveja. Para completar, era dono de um sorriso encantador.

Christopher movimentou a boca e me toquei de que provavelmente estava me chamando.

― É que... ― Arranhei a garganta desconfortável com a pequena confissão que estava prestes a revelar. ― Pensei que você gritaria comigo ― sussurrei hesitante, de uma forma tímida enrolei o dedo na barra do meu vestido.

― Eu nunca faria isso. ― A voz do rapaz soou tranquila, então para me confortar sua mão encontrou o meu joelho, acariciando-o com ternura. ― De onde tirou essa ideia, Dul? ― Levantei os ombros como se falasse "um sei lá".

― Você já escolheu o curso pro vestibular? ― Mudei de assunto antes que chegássemos à raiz do problema, minhas inseguranças.

― Não decidi ainda, eu gosto de arquitetura ― Ucker respondeu cauteloso. ― Mas logo terá um teste vocacional na escola e pretendo analisar as outras opções.

― É, você sempre foi curioso pela cultura e história das sociedades. ― um sorriso contido brincava em meus lábios. ― Aquela maquete da civilização grega ficou muito maneira!

Ao mencionar o projeto de ciências da sexta série do garoto, observei uma mudança sutil na sua expressão, que refletia uma mistura de surpresa e admiração. Eu percebi que minhas palavras o tocaram, como se ele estivesse sendo compreendido de verdade pela primeira vez. Desviei o olhar desconcertada, acabei fitando sua mão que ainda pousava em meu joelho, de repente senti um calor pelo corpo, tinha a impressão de que os dedos de Christopher pesavam toneladas sobre a pele.

Hipnotizada pela sensação de eletricidade que pulsava entre nós, de alguma forma, havia uma conexão palpável, mesmo enquanto lutava para controlar as emoções tumultuadas que fervilhavam dentro de mim, era como se nossas almas buscassem entender o que essa nova relação significava.

― Acho que foi uma péssima ideia vir para essa festa ― Levantei depressa, com medo da aproximação. ― Como se já não bastasse a minha aflição por ter que apresentar o trabalho na segunda... ― Ao fechar os olhos, desejei poder me trancar no meu quarto até o ano escolar acabar.

― Pois eu gostei ― Ucker retrucou e imediatamente voltei a encará-lo. ― É a pior parte, seria maravilhoso se tivéssemos que entregar apenas o escrito. ― Fez menção ao meu último comentário sobre o trabalho.

― Nem fala, para completar a Maitê resolveu inovar, acredita? Disse que deveríamos apresentar de um jeito diferente, tipo um jornal de notícias. ― Minha voz saiu irônica. ― Na mente dela isso me ajudaria a superar a insegurança.

Mas agora, eu estava mais nervosa do que antes, precisaria decorar o mini roteiro que preparamos, só que a cada leitura eu sentia que vomitaria na frente de todo mundo.

― Sabe de uma coisa que uso para não pensar em nada na hora?

― Não, qual? ― perguntei interessada.

O garoto então se pôs de pé, assim que colocou a mão no meu ombro, eu engoli em seco. Essa proximidade me deixou sem ação.

― Quando estiver apavorada pelas pessoas te encarando, foca em um ponto na sala e não olha para ninguém.

― Até que não é uma ideia ruim... Melhor do que imaginar todo mundo pelado. ― Ergui as sobrancelhas reflexivamente.

Christopher gargalhou logo depois, e notei a asneira que escapou da minha boca, cobrindo-a com as mãos no mesmo instante. Eu não consegui evitar o rubor de constrangimento que subiu pelo meu rosto, ainda dava tempo de desaparecer? Ai, minha melhor amiga com certeza seria alvo da minha raiva mais tarde.

― Você é uma garota especial, Dulce. ― Ele me fitou de uma maneira terna.

Apertei os lábios um no outro, tímida por causa do elogio, para em seguida levar os dedos na direção de uma mecha de cabelo, colocando-a atrás da orelha. Um barulho de coisas quebrando chamou a nossa atenção, Ucker desviou o olhar do meu por um segundo.

― Tenho que ver o que estão aprontando. ― Ele apontou para a casa. ― Mas sei que você se sairá muito bem na apresentação, confia na sua capacidade. ― Piscou de um modo tão fofo que eu somente suspirei.

Suas palavras de encorajamento haviam me atingido, pela primeira vez na vida eu possuía a sensação de que não seria um total desastre para falar em público!

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Tão fofinhos... Dulce nem doeu muito a interação, viu? E essa dica, será que foi uma boa ideia? 

Nos vemos no próximo capítulo, beeijos ; *

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