Apenas nós dois.

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"— Você já 'tá bem grandinha pra fugir das suas, não acha?"

   Essa frase ecoava na cabeça de Catra como um furacão. As lágrimas desesperadas escorriam por todos os lados de seu rosto e seu peito estava apertado. Ao menos uma coisa, Catra concordava com Adora: a criança não tem culpa de nada. Mas toda essa culpa, toda essa dor, toda essa situação estava acabando com Catra no momento. Haviam duas horas que estava completamente presa em seu quarto enquanto lia a carta de Adora diversas vezes falando sobre como a criança era especial para ela e como a gestação totalmente indesejada por Catra era o sonho da loira. Por que o maldito sonho de Adora tinha que estar justo na barriga da morena? Isso era uma injustiça sem fim. Odiava tudo referente a Adora e ao bebê cada vez mais. Não por eles serem algo ruim, mas por acontecerem com ela. Que situação de merda. Perfuma bateu na porta diversas vezes perguntando como Catra estava e se as duas poderiam conversar, mas, no momento, Catra não queria contato com nada do mundo exterior.

   Por mais difícil que fosse ter um bebê dentro dela, em 1% dos momentos, pensava que ele era a única coisa que não a fazia desistir de tudo e acabar com tamanha dor que habitava dentro de si. Alguns dias são mais difíceis que outros, de fato, mas as últimas semanas têm sido insuportáveis. O nó que agarrou a garganta da garota dos olhos bicolores não a largava de jeito nenhum, e seu coração estava acelerado como nunca. Não poderia se perdoar por foder a sua vida em uma noite de sexo quente com uma jogadora de futebol. Era muito mais difícil do que poderia lidar no momento.

— Cat, por favor, fala comigo. — Perfuma pede em tom apelativo do outro lado da porta, dando algumas batidas insistentes e cansadas na madeira que separava o quarto de Catra do pequeno corredor do apartamento das duas. — Eu sei que as coisas estão uma bagunça, mas vamos resolver isso, eu prometo.

   "Vamos resolver isso" como? É impossível resolver algo que está vivo dentro da barriga de Catra. A única solução possível para esse problema no momento era se jogar de uma escada e esperar o aborto espontâneo. Catra continuava chorando de forma desesperada, dava alguns pequenos soluços. As palavras de Adora machucaram mais que um soco em seu estômago, e aqueles malditos hormônios de grávida não ajudavam.

— Vamos, Catra. Saia do quarto.

   Então, Catra realmente desistiu. Desistiu de tentar fingir que Perfuma não existia, porque se ela não desistisse, aparentemente Perfuma não iria desistir também e seria ainda mais desgastante para a cabeça da morena dos olhos heterocrômicos. Catra se levantou do chão e caminhou de forma arrastada até a porta, girando a chave e a abrindo. Assim que Perfuma percebeu o ato de sua amiga, a abraçou de maneira afobada, e então, tudo se acalmou por alguns segundos. Catra, por um momento, até retribuiu o abraço de forma calorosa, porém quando se lembrou que Adora só havia conseguido entrar na casa delas porque Perfuma permitiu, empurrou a garota para longe e se jogou na cama.

— Porra, Catra, o que foi?

— Por que caralhos você deixou Adora entrar aqui? — Catra disse de forma abafada, com o rosto em um dos travesseiros de sua cama. — Não era 'pra nada disso ter acontecido. A culpa é toda sua.

— Me perdoa, Cat. Eu só queria o melhor para você e para o bebê. — Perfuma suspirou fundo com sua fala e se aproximou devagar da cama de Catra, se sentando ao lado do corpo espalhado pelo colchão. — Eu não fiz por maldade.

— Eu sei. Isso me deixa ainda mais chateada. — A morena agarrou de maneira mais forte o travesseiro abaixo de si, apertando o tecido entre seus dedos. — Como você conseguiu contato com Adora?

— Bom, foi um pequeno rolê. — Perfuma riu nasalmente, lembrando do quão difícil foi conseguir a atenção de Adora no estádio em que estava jogando. Ela não se arrependia nem por um segundo. — Eu e Scorp fomos ao Camp Nou.

— O que isso?

— O estádio do time de Adora, imbecil. — A platinada completou. — Tentamos falar com ela diversas vezes, mas o time da garota é bem famosinho, aparentemente. — Fez uma careta feia, recordando os fãs desesperados por fotos e autógrafos das companheiras de time de Grayskull. — No fim, levantei um cartaz quando Adora chegou mais perto da arquibancada, e minutos depois, o segurança do time pediu para que nós acompanhássemos ele.

— Isso tudo 'praquela puta vir aqui, falar um monte de barbaridade, deixar uma caixa enorme com um monte de coisa para mim e ir embora.

   Catra tirou o rosto do travesseiro macio e fofo que havia se auto sufocado e olhou para a caixa de presente no chão. Perfuma, automaticamente, seguiu o olhar da amiga e quando viu a caixa, abriu a boca em formato de O com os olhos arregalados.

— Sangue de Jesus tem poder. — Ela disse de maneira impactada, enquanto olhava fixamente para o papelão. — Adora realmente fez um bom trabalho.
Levantou da cama e foi até a caixa olhar o conteúdo da mesma. A abriu com cuidado, enquanto seus olhos grudaram nos remédios, que agora estavam espalhados, e na pequena caixinha no fundo de tudo. Pegou os medicamentos um por um, identificando os mesmos. Perfuma havia feito técnico em enfermagem quando era mais nova, atualmente fazia uma pós-graduação semi presencial em Madrid para conseguir uma renda maior ao atuar na área, então, não seria difícil administrar os remédios conforme as necessidades de Catra. Levou a mão até a caixinha no fundo e a abriu, tendo um certo surto interno ao ver o pequeno body de neném do Barcelona. — MEU DEUS, QUE GRACINHA! — Gritou e o pegou nas mãos com os olhos brilhando enquanto o admirava. — Meu sobrinho ia ficar lindo demais nisso.

— Pois é, e eu ainda não desisti de abortar. — Catra comprimiu os lábios de maneira forte, engolindo em seco. — Logo, estou me sentindo a pior pessoa do mundo.

— Pensa com carinho, Cat. — Perfuma levantou do chão que estava sentada e foi até Catra com a pequena roupinha de criança em suas mãos. — Sei que não foi por querer, mas se fosse para escolher uma mãe para o seu filho, eu diria que você escolheu a pessoa certa.

   O silêncio se instalou no quarto enquanto os pensamentos invadiam a mente conturbada da morena de olhos coloridos, tudo se complicava um pouco mais a cada segundo que passava. Se pudesse dizer algo sobre, diria que sua vida estava se transformando em uma demonstração do inferno. Perfuma abraçou a amiga de lado, esperando levar um pouco de conforto ao seu coração. Ela sabia o quão difícil poderia estar sendo para Catra e não queria tornar tudo pior. As coisas aconteceram muito rápido, o jogo virou de uma maneira muito desequilibrada para Catra e do nada, ela tem que fazer a escolha mais importante da sua vida. O destino não estava sendo nada justo com a de cabelo curto.

— Às vezes, eu sinto que vou sufocar a qualquer momento. — Catra disse, tentando respirar um pouco mais fundo, já que seus pulmões no momento estavam falhando com ela e lhe faltava ar. — Fico com uma falta de ar enorme.

— É sintoma da gravidez, relaxa. — Perfuma guiou sua mão livre até o cabelo da amiga e fez algumas leves carícias lá. — As coisas vão melhorar, eu prometo.

— Eu espero que melhorem mesmo.

[...]

   Quatro dias após a situação com Adora, Catra ainda não havia dado retorno à garota. A indecisão ainda tomava conta de si, mas estava tentando resolver sua vida antes de resolver o destino da pequena criança dentro de si. A faculdade estava no fim, dentro de três meses estaria com seu diploma em mãos. Tudo que ela mais queria naquela formatura, era beber até esquecer o próprio nome, e agora, não podia mais. Pelo menos por enquanto. Perfuma iria para Madrid fazer um trabalho em grupo de sua pós-graduação e voltaria em cerca de uma semana, talvez um pouco mais. Isso significava que Catra teria que ir e voltar andando todos os dias da faculdade, que não era tão perto, mas também não era tão longe de sua casa.

— Cat, fique bem sem mim, ok? — A amiga da morena a abraçou de maneira firme e deu um beijo em sua bochecha. — Eu volto em uma semana. Cuide bem de vocês dois.

— Vou fazer o que posso.

   Perfuma assentiu com a cabeça, decidiu não insistir no assunto, sabia que isso deixaria a mais baixa ainda pior, ela sempre sentia a falta da amiga quando a mesma viajava. Pegou sua mala, abriu a porta da frente do apartamento e mandou um beijo para Catra, que retribuiu instantaneamente. Saiu sem dizer mais nada, e não precisava. Catra sabia que ela ia, mas sempre voltava no fim. A garota fechou a porta de sua casa e soltou um suspiro fundo, antes de dizer:

— Agora somos apenas nós dois.

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⏰ Última atualização: Apr 22 ⏰

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