Seu Porquê

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Missy acordava de manhã, sem saber o porquê.

Era óbvio que ninguém tinha um propósito, mas normalmente, as pessoas se davam um. Entretanto, ela não sabia qual era o seu.

Ela sabia que queria escrever, mas nunca conseguia colocar seus próprios pensamentos no papel.

Sempre que ia escrever os pensamentos lhe escapavam ligeiramente, como moscas.

No entanto, era eles que a arruinaram.

Eram eles que, como moscas, zuniam em seus ouvidos todas as manhãs, tardes e noites

Ela se sentia como um zumbi, embora estivesse de pé, não parecia mais estar viva. Não sentia mais que deveria estar ali.

Não sabia se havia um nome para seu problema ("agorafobia", será?) ela só sabia que tinha medo de sair na rua e ir na esquina para comprar pão, porque sabia que para isso teria que cruzar o caminho de vários outros de sua espécie - os horripilantes seres humanos - e isso para ela estava fora de questão.

Ela estava com fome, algo que julgava inapropriado devido a seu estado emocional. Não era assim que as pessoas tristes sofriam? Normalmente não comiam, e isso se transparecia em sua aparência? O que nitidamente levava as pessoas concluírem que se tratava de uma doença.

Missy se sentia doente. Sentia que estava sendo consumida por um câncer. Um que ninguém podia ver ou detectar, mas ela estava.

E quanto mais ela tentava dizer as pessoas que tinha um problema com ela, uma ferida aberta, mais parecia ser ignorada.

Deixe-me explicar melhor:

Era como se Missy tivesse uma ferida muito grande e profunda aberta, mas toda vez que tentava pedir ajuda, tentava dizer a alguém que estava machucada, as pessoas costumavam dizer que isso era fruto da sua cabeça, falta de Deus, ou simplesmente diziam para ela "parar com isso". Mas quase nunca tentaram levá-la a algum lugar para procurar auxílio ou a tratou como alguém ferido, apenas ignoravam o fato, como se não fosse nada.

Agora ela sentia que a ferida já estava podre, necrosando. Como se não tivesse mais salvação.

Ela já estava à beira da morte. Ela só ainda não acreditava que era tarde demais, porque ainda estava viva e acreditava em milagres. Mas essa esperança também estava acabando com ela aos poucos, porque quanto mais ela esperava ajuda, mais se frustrava.

Missy estava destruída.

E havia se dado um prazo: até a morte de sua melhor amiga. Ela viveria até a morte de sua melhor amiga. 

A mais fiel das amigas. Aquela que confiava nela cegamente. A que se alegrava imensamente quando a via. E que passaram a vida juntas. Era uma pena que Nega, sua cachorra, não podia se comunicar tão diretamente como Missy gostaria, mas, mesmo assim, Nega costumava dizer a ela que a amava e confiava nela de várias maneiras.

Mas Nega estava envelhecendo rapidamente e Missy também via a morte chegando para sua pequenina amiga. Via como se deteriorava dia após dia. Através de suas convulsões, de seus gemidos de dores, sua cegueira, surdez... e assim como ela, sua melhora amiga não era vista, não era ajudada.

Missy sentia muito por não poder ajudar Nega como gostaria, sua falta de recursos contribuía para isso. Mas Missy ajudava como podia. Lhe dava amor, atenção, cuidava de suas deficiências, lhe dava remédios quando percebia que a dor para Nega estava insuportável.

Missy gostaria que tivesse um remédio para sua alma. E embora muitos dissessem que Deus era esse remédio, Missy já havia feito o impossível para buscá-lo, e chegara a conclusão que talvez Ele não tenha se agradado dela. Talvez por isso ela não sabia o que era o "remédio" que tantas pessoas diziam existir através Dele.

Missy sabia que teria pouco tempo de vida - porque Nega tinha pouco tempo de vida.

E ela só não partiria antes de Nega, porque sabia que ela era a única que Nega confiava e amava. Além disso, ela era a única que amava Nega de todo o coração. Era por isso que ela tomou a pequenina cachorra de seus pais, porque viu que lá ela não era amada.

Missy gostaria de ser salva, assim como ela salvou Nega do sofrimento que vivia nas mãos de seus familiares. Não que Missy fosse uma exemplar cuidadora, mas ela dava o melhor de si.

De qualquer forma, tudo o que Missy sentia ter, era Nega.

Então talvez seu "porquê" estivesse conectado a vida da cachorra. E quando seu "porquê" morresse, então ela não teria mais nada para se agarrar.

A Trágica Verdade Sobre ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora