Cap. 5

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   Eu estava assistindo o pôr do Sol na varanda de meu quarto, quando ouço uma batida suave na porta. Meu sangue gela e sinto um arrepio descer pela minha espinha. Calma. Zyron disse que eu estaria segura aqui. Porém não consigo afastar o pânico que crescia dentro de mim.
   Vou até a porta com cautela, apesar de todos os meus instintos gritarem para eu não ir. Ao abri-la, vejo a fada de asas de beija-flor que eu tinha visto falando com Zyron mais cedo. Ela era um pouco mais alta que eu e trazia consigo vários tecidos dobrados nos braços. Olho com curiosidade para eles, agora um pouco mais calma.
   — O que deseja? — pergunto automaticamente e logo percebo que eu não deveria ter dito aquilo. Eu não estou servindo mais os meus antigos Senhores. Não preciso mais agir dessa maneira.
   Porém a fada pareceu não notar e apenas estende os tecidos para mim.
   — Aqui está os vestidos que o Senhor Zyron providenciou para a senhorita. — informa ela, sua voz suave, límpida e angelical, sem nem sequer piscar.
   Pego as roupas dobradas, um pouco surpresa. Ele providenciou mesmo as roupas...
   — Ah... Obrigada. — Agradeço educadamente, surpresa.
   A fada faz uma mensura pequena e rápida e depois vai embora voando. Fecho a porta e vou até a cama, desdobrando os vestidos e colocando-os sobre o colchão. Admiro maravilhada as roupas. Eram belíssimas! Os tecidos não eram tão finos, ao contrário dos vestidos que estavam em meu armário, e nem tão custos e abertos, com mangas longas e largas. Os decotes também não eram muito exagerados e tinham bordados finos e delicados.
   O meu favorito era o vestido azul-noite tão escuro que parecia quase preto, mas quando batia a luz nele, mudava de cor como as asas de um beija-flor. Tinha as mangas de musseline fina, duas camadas de saia sendo a segunda com bordados de estrelas com pérolas e a segunda aberta na frente, exibindo a saia debaixo. No decote havia linhas prateadas e finas bordadas que se juntavam no centro do peito e formavam o desenho dos chifres de um cervo.
   Deslizo os dedos no tecido de cada vestido. Era frio como água de um poço, mas refrescante e macio como seda, também era resistente. Fibra de teia de aranha. Algumas fadas costureiras usavam a fibra da teia da aranha junto com suas técnicas mágicas para criar esse tecido resistente e que suportava altas temperaturas, além de fica leve.
   Então escuta o bater de asas na janela e, ao ver o que era, vejo Zyron entrando pela janela e recolhendo as asas, vindo da caça com um sorriso no rosto carinhoso no rosto.
   — Gostou do presente, pequena? — pergunta ele.
   Sorrio de volta, um sorriso cheio de alegria como o que dei à ele quando formos para o jardim.
   — Eu adorei! São muito bonitos. Eu... — volto o olhar para os vestidos. — Eu nunca recebi algo assim. Nem sei o que dizer...
   Zyron ri e vem até mim.
   — Não precisa dizer nada, doçura. O seu sorriso já disse o suficiente.
   Passo os dedos no tecido do vestido azul-noite, ainda surpresa com o presente.
   — Eu não consigo acreditar que você fez isso... — murmuro baixinho.
   Sinto sua mão pousar em minha cabeça num gesto carinhoso que faz meu coração palpitar.
   — Por você, eu faço qualquer coisa, minha querida. — confidência o híbrido, sua voz cheia de ternura, possessividade e sedução.
   Coro bastante e fico um pouco sem jeito, ainda alisando o tecido. Eu sou a serva dele... Mas mesmo assim ele me trata tão bem... Observo os outros vestidos com carinho, sua mão afagando meu cabelo suavemente. Você é a minha Ayanna. Minha garota.
   — Irei fazer o jantar para nós. — diz Zyron, enrolando um cacho do meu cabelo em seu dedo. — Quer que eu traga pra cá ou prefere comer na sala de jantar?
   Penso nos nobres que vi de manhã e um arrepio desconfortável desce pela minha espinha. Faço não com a cabeça.
   — Prefiro comer aqui. — eu ainda não me sentia segura o suficiente para conhecer os componentes da Corte dele durante um jantar, logo depois do que aconteceu.
   — Como desejar, criança.
   Ele desenrola o meu cabelo de seu dedo e se afasta em direção á porta, mas antes que o homem saísse do quarto, eu  o chamo de volta.
   — E-espere. — Zyron para com a mão na maçaneta da porta e olha para mim por cima do ombro. — É verdade que... Você pode me proteger de todos?
   Zyron me lança um sorriso tranquilizador e confiante, os olhos brilhando.
   — Minha Ayanna, eu sou o Senhor mais antigo e mais poderoso. Eu vou posso e vou protegê-la de todos á todo custo. Ninguém mexe naquilo que me pertence. — responde a criatura de modo suave e gentil.
   Ergo as sobrancelhas e fico em silêncio, corada. Observo-o sair do quarto, ainda pensando no que ele disse. Por que me escolheu para ser dele? Pego os vestidos e os guardo em meu armário, depois pego um livro de capa de couro vermelho que Zyron havia me dado e me deito na cama para ler. Era um diário de uma mulher mortal de 32 anos que vivia em uma Corte onde ela era tratada como uma rainha. Seu nome era Carmen.
   Ela era feliz? me pergunto mentalmente, intrigada em como uma serva poderia ser feliz. Corro os olhos por sobre as belas letras cursivas e finas da mulher. Ela havia sido salva pelo seu Senhor, o qual havia pedido a mão dela em casamento.
   "Ele é gentil, atencioso e muito carinhoso." dizia Carmen. "Ele me trata com muito amor e cuidado. Gosta de me mimar, de me levar para passear e me dar presentes. É um pouco agressivo e impulsivo na cama, mas não me machuca e sempre me pergunta se estou bem e se ele está sendo intenso demais para mim. Mas eu gosto muito de sua intensidade."
   Ergo as sobrancelhas. Eu não precisava saber disso. Ela também não menciona o nome de seu pretendente, o que me deixa bastante curiosa em saber quem é, mas fala bastante dele e em como ele a trata tão bem. Quem seria esse Senhor?
   Sem que eu percebesse, horas haviam se passado e já tinha anoitecido. Eu tinha me empolgado na leitura. Zyron volta trazendo uma bandeja com o jantar: um bule de chá morno, duas xícaras, pão preto com manteiga derretida e biscoito de gengibre e nozes. Só de sentir o cheiro da comida, já sinto o meu estômago roncar.
   — Está gostando da leitura? — pergunta o híbrido, vindo até mim e se sentando na cama, pondo a bandeja entre nós dois.
   — Sim. — respondo, fechando o livro e me sentando. — Como conseguiu este diário?
   Uma sombra de dor passa pelo seu rosto escuro, mas passa tão rápido que achei ter imaginado coisas. Deixo o livro no colo e observo-o servir chá nas duas xícaras com atenção.
   — Há vários tipos de livros em minha biblioteca, Ayanna. De diversos tipos e lugares. — em seguida olha para mim e sorri. — E todos estão disponíveis para você sempre que quiser.
   Sorrio de volta, feliz com a oferta. Eu gostava muito de livros e estava louca para poder dar uma olhada da biblioteca de Zyron, porém não estava ainda me sentindo segura o suficiente para ficar sozinha na mansão. Seus olhos negros de íris roxas percorrem por todo o meu corpo de cima á baixo, como se me analisasse minuciosamente. Sinto meu coração errar uma batida e fico um pouco apreensiva.
   — Por que não vestiu seu pijama? — pergunta o híbrido gentilmente e com curiosidade sincera.
   O rubor sobe pelo meu pescoço em direção às minhas bochechas e desvio o olhar, pegando a xícara, que era grande, e tomando um gole do chá morno para disfarçar.
   — Huh... Eu... Eu não consegui escolher um que... Eu me sentisse confortável em usar. — respondo, hesitante. Ele franze a testa.
   — Não? Por que?
   — Bem... É que aquelas camisolas não são exatamente para dormir... — explico, deslizando a ponta do dedo na borda da xícara. — E... Não me traz boas lembranças...
   — Ah... Entendo. Me desculpe, só temos esses tipos de camisolas. — fala Zyron, bebendo o chá. Depois de alguns segundos pensando, ele torna a perguntar. — Não tem nenhuma que não seja tão desconfortável para você? Que dê para você usar?
   Mordo o lábio e faço não com a cabeça.
   — Não sei... — murmuro. Eu evitava tocar nas camisolas.
   — Por que não procura? Deve haver uma que dê para você usar.
   Dou de ombros, desviando o olhar. Não consigo... As lembranças doem demais... Zyron me lança um sorriso encorajador e um olhar gentil. Respiro fundo, me levanto e vou até o meu guarda-roupa. Sinto os olhos de Zyron fixos em mim, mas não me intimidava como acontecia com os outros Senhores. Abro o armário e procuro por entre as camisolas dobradas, alguma que eu seja menos desconfortável para eu usar. Os tecidos eram finos demais e frios. Toco-os com as mãos trêmulas, sentindo leves arrepios percorrerem o meu corpo. Respire. Relaxe. Só são apenas roupas. O problema não estava nelas e sim naqueles quem eu servi.
   Encontro, no fundo do guarda-roupa, uma camisola vermelha com a barra na altura dos joelhos e o decote e as alças feitos de renda. O tecido não eram muito fino e a roupa não era exageradamente curta e aberta como as outras. Esse está melhor. Tiro-o do guarda-roupa e mostro para Zyron.
   — Acho que este dá. — falo, um pouco indecisa.
   Ele sorri para mim de forma gentil.
   — Vista-o.
   Minhas bochechas esquentam involuntariamente. Eu sabia que ele não iria sair dali. Eu já vi tudo o que eu tinha que ver, doçura. Vou para detrás do biombo e troco de roupa, torcendo para que o híbrido não tentasse espiar. Estremeço e minha pele se arrepia todinha quando visto a roupa, sentindo o tecido frio em meu corpo. O decote exibia um pouco o contorno de meus seios e a camisola era bem justa, mas não me deixava tão desconfortável quanto eu achava que iria ficar.
   Saio detrás do biombo, o vestido dobrado nos braços. Os olhos de Zyron se iluminam de desejo e noto que suas orelhas pontudas tremem levemente. Vou até a cama, colocando o vestido sobre ela, e volto o olhar para a criatura, que me olhava fixamente. Seu olhar desce lentamente por mim, as pupilas se dilatando um pouco ao passar por minhas coxas grossas e meus quadris largos, depois sobe devagar, parando um pouco em meus seios, e voltando a olhar em meus olhos.
   — Nossa... Você está simplesmente gostosa, Ayanna. — diz ele, sua voz macia e sedutora com um leve ronronar. Minhas bochechas ficam mais quentes e vermelhas, o rubor começando a se espalhar para minhas orelhas. — Você está me deixando duro.
   Desvio rapidamente o olhar, o coração disparando. De novo não... Mordo o lábio com tanta força que ele fica dormente, sinto o pânico desestabilizar minha respiração e minhas mãos ficarem trêmulas e suadas. Zyron deve ter sentido o meu pânico, pois suaviza a voz e ameniza o desejo em seus olhos.
   — Me desculpe, pequena, não quis te assustar. Vou me conter, caso não esteja se sentindo confortável com isso e não queira nada muito íntimo.
   Ouço suas palavras em silêncio, surpresa e chocada. Ele não vai me forçar á nada. Lentamente, concordei com um meneio de cabeça, o alívio diminuindo um pouco o meu pânico e desacelerando as batidas desesperadas de meu coração. Com um gesto, Zyron me chama para eu me sentar na cama e comer com ele. Contorno a cama e me sento frente à ele, a bandeja entre nós. Pego um biscoito e o mordo. Era crocante, mas também se desfazia na boca.
   — Hum! — exclamei. — Está muito gostoso!
   Zyron ri e pega uma das fatias do pão.
   — Esses biscoitos são especiais para mim. — comenta o híbrido, afundando as presas no pão macio e arrancando um bom pedaço. — Paço apenas para aqueles que me são muito queridos.
   Um sorrisinho tímido se forma em meus lábios e bebo um gole do chá. Você não é minha serva. Ele me observa com carinho, seus olhos ainda brilhando de desejo.
   — O vermelho combina com você, ainda mais que o azul. — elogia a criatura num tom suave e cheio de ternura. — Realça o verde de seus olhos.
   Sinto o rubor ficar forte em minhas bochechas e pego a outra fatia do pão para comer.
   — Huh... Obrigada... — agradeço, sem jeito.
   Zyron ri ainda mais da minha timidez, deixando as presas à mostra. Lembro do medo que senti da primeira vez que os vi. Mastigo e engulo, olhando para a janela de forma pensativa. As estrelas já começavam a surgir e uma brisa suave agitava as cortinas, vindo da janela aberta.
   — Posso fechar a janela? — pergunto, voltando o olhar para o homem. — Quando eu for dormir?
   A criatura ergue uma sobrancelha.
   — Posso saber o por quê, doçura?
   — Eu me sinto mais segura assim... — respondo. Era um hábito de segurança que eu tinha: fechar a janela e trancar a porta para que ninguém entrasse... Embora nem sempre funcionasse.
   — Você não precisa se preocupar com isso. Ninguém fará nada com você aqui. — diz o homem, mordendo outro pedaço do pão.
   Assenti, ainda me sentindo um pouco insegura. Zyron estreita os olhos.
   — Você sabe que eu irei dormir aqui com você, não sabe? — indaga ele.
   Meu coração quase para e me engasgo com o pão?
   — Q-que... Por que...? — pergunto, tossindo um pouco, e bebo um bom gole do meu chá para aliviar a tosse.
   — Eu vou dormir com você. — repete Zyron. Agora entendo o porquê da cama ser grande. Ele me lança um sorriso suave e acolhedor ao notar a minha inquietação. — Mas prometo não tocá-la, caso não queira.
   Mordo o lábio inferior, nervosa. A imagem do desejo em seus olhos e as palavras que ele havia dito quando eu vesti a camisola me fez ficar apreensiva e não saiam de minha mente. Nenhum Senhor se contém aos seus desejos. Um arrepio de medo e desconforto desce pela minha espinha e fecho os punhos. Ele iria cumprir a sua promessa? Ou estaria mentindo? Eu deveria confiar?
   Sinto sua mão grande e quente tocar a minha e estremeço, voltando á realidade. Meu olhar encontra o dele e sua expressão era calma e suave, seus olhos já não tinham mais aquele brilho de antes.
   — Não fique com medo de mim, pequena. — diz o híbrido num tom carinhoso e confortador. — Eu não vou machucar você, não quero fazer isso. Também não vou forçá-la a nada. Prometo.
   Seu tom carinhoso e sua expressão suave foram o suficiente para me acalmar. Lentamente, faço que sim com a cabeça e paro de morder o lábio, desviando o olhar. Sua mão voa para meu rosto, erguendo-o pelo queixo, e desliza dedão em meu lábio inferior. Seu toque era tão suave e delicado que me fez corar um pouco e prender a respiração sem perceber.
   — Você vai acabar se machucando assim. — murmura Zyron, olhando fixamente para minha boca, mas sem a malícia que eu estava acostumada em ver nos olhos dos Senhores e dos feéricos. — Evite morder o lábio.
   Solto um pequeno suspiro, sentindo a tensão deixar meu corpo. Você não é minha serva.
   — É uma ordem? — indago timidamente.
   Seu olhar encontra o meu, cheio de ternura.
   — É um pedido, querida.

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⏰ Última atualização: May 04 ⏰

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