Cap. 1

4 1 0
                                    

   Acordo deitada em uma cama enorme e luxuosa com lençóis de seda preta e dourada. Minhas queimaduras e cortes estavam todos curados e meu peito não doía mais quando eu respirava. Onde estou? Olho ao redor, tentando me orientar. O quarto era uma suíte grande e luxuosa, as paredes pintadas de preto com detalhes em dourado. Era iluminado por um lustre de velas no teto, tinha uma varanda com uma bela vista para uma imensa floresta com montanhas altas depois dela e uma porta que dava para o banheiro da suíte.
   O que era estranho é que tudo era grande demais. Tudo! O armário de ébano, a cama, a escrivaninha perto da porta, tudo. Quem é o gigante que mora aqui? Estou sonhando? Por que eu não morri? penso, me sentando e olhando ao redor, nervosa e preocupada.
   Então a porta de abre e vejo um homem alto, com talvez 2 metro ou mais, com enormes chifres escuros com as pontas vermelhas contornando a lateral de sua cabeça, orelhas longas e pontudas, pele tão escura quanto a noite assim como seus olhos de íris roxas como ametistas e pupilas vesticais. Ele tinha garras negras e grandes, longos e lisos cabelos brancos até a cintura, barba rala contornando o queixo até a mandíbula e tinha uma cicatriz clara no rosto do lado esquerdo, indo da mandíbula até perto do olho, e outra nas costas da mão esquerda também.
   O homem sorri e entra no quarto, recolhendo as enormes asas de morcego. Ele era forte e musculoso, muito bonito e elegante. Vestia uma camisa branca justa de manga comprida e a gola em V e a calça de couro escura e justa também, além de botas de couro marrom com fivelas de ouro.
   — Olá, doce criança. — fala a criatura. Sua voz era rouca e profunda, mas gentil. Ele sorri e vejo oito pares de caninos pontudos, dois em cima e dois em baixo. — Dormiu bem?
   Demoro um pouco para recuperar a voz, ainda chocada com tudo.
   — Ah... Quem... O que é você? — questiono, observando a criatura se aproximar e sentar na beira da cama, frente á mim. Ele inclina a cabeça para o lado, seus olhos cor de ametista brilhando.
   — Sou Zyron. Sou um híbrido de dragão, o mais poderoso de todos, Senhor da Noite e da Escuridão, Mestre da Magia. Não fique com medo de mim, estou aqui para cuidar de você e te proteger. Você é minha, agora. — acrescenta ele com um tom carinhoso e possessivo na voz, seu dedo indicador afagando minha bochecha, sua garra longa roçando em minha pele. Sua pele era anormalmente quente.
   Estremeço. Já tinha sido serva de um Senhor antes e não foi uma experiência boa. Pensei que, se eu fosse morta no incêndio... Mas agora estou presa á outro Senhor. De novo não...
   Ele deve ter reparado no terror em meus olhos pois dá um sorriso consolador e desliza os dedos enormes em meus ondulados cabelos ruivos. A mão dele poderia esmagar o meu crânio com bastante facilidade.
   — Não tenha medo de mim, querida, não irei te machucar. eu não machuco aquilo que é meu. — então ele se levanta e estende a mão para mim. — Venha comigo, irei te levar pra o seu quarto.
   Hesito, meus instintos gritando para eu fugir. Fugir para onde? Não tenho para onde ir. saio da cama, mas não seguro a sua mão. Eu tinha um certo trauma com contato físico. Noto que, em pé, eu chegava na altura de sua cintura. Zyron não diz nada, apenas abaixa a mão e se dirige á porta do quarto. Sigo-o á passos apressados. Um passo dele era três dos meus.
   — Os meus ferimentos... — começo, hesitante.
   — Eu curei eles. — explica a criatura. — Mas juro que foi apenas isso. — acrescenta logo em seguida. Sinto um pouco de alívio. Ele abre um meio sorriso. — Eu sou capaz de sentir o que os outros sentem, assim como sinto os cheiros. Não se preocupe, você está segura comigo.
   Mordo o lábio. Eu nunca estive segura...
   — Percebi que alguns machucados seus não eram do incêndio que teve. — comenta o híbrido, me guiando por um corredor iluminado por velas. — Alguns eram pequenos cortes de lâminas... e outros mais íntimos.
   Tropeço, mas disfarço o meu desconforto e mordo o lábio inferior com mais força. Ele olha para mim e suspira. Então abre uma das portas do corredor que dava pra um quarto grande, mas com tudo para o meu tamanho, para o tamanho humano. Exceto a cama.
   O quarto era bem parecido com o outro, apesar das cores dele serem de um azul mais claro e dourado. A escrivaninha ficava perto da cama, a varanda tinha cortinas finas e brancas assim como o dossel da cama. O armário também era de ébano mas com detalhes em dourados que lembravam árvores, e havia uma fina cortina que separava o banheiro do resto do quarto.
   Olho ao redor, admirada com a beleza do aposento. Ao contrário dos outros quartos os quais estive, esse era mais o bonito e emanava conforto e acolhimento, como se me desse boas-vindas.
   — Você gostou? — pergunta Zyron, me observando atentamente enquanto eu caminhava pelo quarto. faço sim com a cabeça. — Que bom! Tem roupas para o seu tamanho no armário. Escolha um e vista.
   Volto o olhar para ele. O híbrido parecia não dar indício de que iria sair para me dar privacidade. Fico apreensiva e em alerta.
   — Você... O Senhor pode sair... por favor?
   Ele ergue uma sobrancelha, abrindo um meio sorriso.
   — Eu já vi tudo o que tinha de ver, doçura, não precisa ter vergonha e não tem necessidade de me chamar de "Senhor". Pode me chamar pelo meu nome.
   Sinto meu sangue gelar e meu coração disparar. Zyron franze a testa e estreita os olhos, em seguida se aproxima de mim em apenas dois passos, se agachando para ficar do meu tamanho e me olhar diretamente nos olhos.
   — O que fizeram com você? — pergunta ele, de modo suave e sério, seus dedos acariciando meu rosto e meu pescoço.
   Tremi com seu toque, o medo se espalhando pelo meu corpo e a confusão com a pergunta inesperada congelam meu corpo. Dou um passo para trás, mas a criatura fecha as asas ao nosso redor. Mordo o lábio com força e sinto meus olhos ficarem marejados. Estou presa de novo...
   Gentilmente, o homem acaricia meu lábio vermelho de tanto eu o morder. Estremeço novamente, meu coração quase parando.
   — Não morda. Vai machucar. — diz ele num tom suave, seu olhar em minha boca.
   Junto todas as minhas forças para fazer minhas pernas, que estavam pesadas como chumbo, se moverem para eu me afastar, o corpo todo tremulo.
   — N-não... Não toque em mim...
   Seu olhar encontra o meu e prendo a respiração, pronta para receber uma bronca ou algo pior. Porém, para a minha surpresa, Zyron apenas recolhe as asas e afasta a mão.
   — Certo. Desculpe por isso.
   Olho para ele, chocada e sem saber como reagir. Nenhum Senhor ou Senhora nunca havia se desculpado ou respeitado o meu "não". Nunca. A criatura sorri com ternura para mim.
   — Respire. — instrui ele.
   Inspiro fundo e expiro pela boca.
   — De novo.
   Inspiro e expiro, sentindo aos poucos a tensão se esvair lentamente de meu corpo.
   — Muito bem, pequena. Novamente, respire.
   Respiro fundo mais algumas vezes, me acalmando e estabilizando aos poucos as batidas do meu coração. Logo meu corpo para de tremer e me sinto mais leve e tranquila.
   — Melhor? — indaga Zyron, sorrindo de forma suave e gentil.
   Assenti, um pequeno sorriso em meus lábios. O sorriso dele cresce e ele ergue a mão para mim. Prendo a respiração novamente, mas Zyron apenas enxuga as minhas lágrimas delicadamente.
   — Você não precisa me contar o que aconteceu com você se ainda não se sente confortável para dizer, ok?
   Demoro para responder, meu cérebro ainda absorvendo as palavras dele. Acabo por fazer um sim com a cabeça de forma lenta, ainda intrigada.  Então ele se levanta e afaga meu cabelo carinhosamente antes de se afastar.
   — Deixarei que se vista. — fala a criatura, fazendo uma mensura e saindo do quarto, fechando a porta e me deixando desconcertada.
   Me dirijo ao armário e abro as portas. Havia vários vestidos bonitos e sensuais de seda, os decotes bem acentuados, e as camisolas bem finas que com certeza não eram para dormir. Procuro nas gavetas alguma lingerie que eu pudesse usar, mas a maioria era de renda fina e não escondia bem as partes íntimas. Sinto o familiar desconforto e repulsa. Eu não esperava ter que usar isso novamente...
   Penso de novo no incêndio, no qual eu deveria ter morrido. Suspiro e pego uma lingerie que era menos desconfortável e dou uma olhada nos vestidos. Encontro um azul prateado que era justo, mas que o decote não era tão exagerado e que era longo até os joelhos e as mangas compridas até os punhos. Ruim por ruim, o menos ruim... Pelo menos esse dá para eu usar sutiã.
   Pego as roupas e, mesmo que eu estava só no quarto, vou atrás do biombo dourado com desenhos de flores e troco de roupa, dobrando as minhas vestes antigas e sujas de cinzas. Em seguida vou até o espelho de corpo inteiro na porta do armário e o que vejo é uma garota parda, de cabelos ruivos, olhos verdes sem marcas nem cicatrizes na pele, usando um belo vestido azul prateado que contornava perfeitamente as suas curvas bonitas e exibia um pouco dos seios fartos. Era elegante e delicada. Uma garota que eu poderia ter sido se não tivesse virado uma serva. Me permiti sorrir um pouco para aquela garota. Acontece que esqueci como sorrir a muito tempo...

CicatrizesOnde histórias criam vida. Descubra agora