Quando saio do quarto, encontro Zyron me esperando do lado de fora. Assim que me vê, ele me olha de cima a baixo e sorri com desejo e admiração.
— Que linda princesa! — elogia a criatura. Desvio o olhar para o chão, sem jeito. — Aliás, qual é o seu nome?
A pergunta me pegou de surpresa. Ninguém nunca havia feito essa pergunta para mim antes, apenas me chamavam do que queriam. Volto o olhar para ele e gaguejo um pouco ao responder, desconcertada.
— Eu... Ayanna. Meu nome é Ayanna.
Os olhos dele cintilam como joias.
— Que belo nome! Está com fome, Ayanna? Fiz um delicioso jantar para nós.
Estranho ouvir o meu nome ser pronunciado tão gentil da boca de um Senhor, ficando um pouco sem saber como reagir. Mas quando ele menciona um jantar, sinto meu estômago roncar e minha boca salivar. Pode estar com veneno ou alguma substância embriagante. Mordo o lábio, receosa. Zyron inclina a cabeça para o lado, estreitando os olhos.
— Se eu quisesse deixar você vulnerável á mim, eu já teria feito isso á muito tempo e por meio de encantamento. — conforta ele, sua voz mansa. — Quem bota veneno ou algo do tipo na comida, para mim é um covarde. Eu sou um cavalheiro.
Um arrepio desce pela minha espinha e assenti. O homem sorri em resposta e faz um gesto para eu segui-lo até chegarmos á uma sala de jantar com uma mesa comprida com vários pratos de comida: sopa, pão com geleia, uma garrafa de vinho, ovos mexidos com cebolas, queijo e romãs ao vinho. O cheiro das comidas fez o meu estômago roncar novamente.
— Pode se servir á vontade. — fala Zyron, sorrindo e se sentando na cadeira à cabeceira da mesa. Olho para a cadeira disponível para mim, que estava á direita dele.
— Huh... A cadeira é grande. — digo, hesitante. Assim como tudo na mansão, ela também era grande, do tamanho próximo de um cavalo se não for maior.
— Ah! É claro. Peço licença. — então ele se inclina para perto de mim e me pega pela cintura com cuidado e delicadeza. Meu coração acelera quando seus dedos se fecham em torno de minha cintura e me erguem do chão. Gentilmente, a criatura me coloca na cadeira e me solta. Murmuro baixinho um "obrigada" para ele, que me lança um sorriso carinhoso. Ele é tão gentil... Mas eu não podia baixar a guarda.
Pego um pedaço de pão com geleia e coloco um pedaço de queijo. Só por precaução, cheiro a comida antes de morder, para caso de haver alguma coisa suspeita ali. O pão era bem macio, a geleia doce com gosto de amora e o queijo quebrava um pouco o doce dela. Que gostoso! Zyron sorri e se serve de um pouco de vinho numa taça de prata.
— Fico feliz que tenha gostado, pequena. — diz ele, bebendo um gole do vinho.
Mal engulo o pão quando mordo outro pedaço dele, faminta. Não me lembrava da última vez que comi comida decente. Na verdade, nem lembrava qual foi a última vez que eu comi. Um dia? Uma semana? O híbrido ri. Sua risada era grave, profunda e descontraída.
— Você sujou o nariz. — explica ele, depois de eu lhe lançar um olhar confuso. Passo os dedos em meu nariz, limpando a geleia que havia sujado a ponta.
— Ah... Valeu... — murmuro, lambendo os dedos e mordendo outro pedaço do pão.
O híbrido me oferece um pouco de vinho, mas eu recuso imediatamente balançando a cabeça.
— Eu não gosto. — minto.
Ele ergue uma sobrancelha, desconfiado.
— Como pode dizer que não gosta se não experimentou? — fico apenas em silêncio, me terminando de comer o pão e pegando um pedaço extra de queijo. — Saiba que você não pode mentir para mim, pois sei quando está mentindo. — quase engasgo ao ouvir isso e outro arrepio de desconforto percorre o meu corpo. Lá se vai uma das minhas poucas chances de sobreviver.
Continuamos a comer em silêncio, apesar de eu senti-lo me observar várias vezes. Como bastante, saciando minha fome e aproveitando que eu podia comer comida decente pois não sabia quando iria comer de novo. Porém não toco nas romãs nem no vinho, o que Zyron notou imediatamente.
— Você evita mesmo qualquer coisa com álcool, não é? — brinca Zyron, os olhos cor e ametista fixos em mim. Limpo minha boca meus dedos com um guardanapo e balanço a cabeça. Ele estreita os olhos e desvio o olhar. Não posso confiar nele.
— É só uma questão de cautela. — falo, indiferente. Era uma meia verdade.
O homem inclina a cabeça para o lado, uma expressão curiosa em seu rosto escuro. Em seguida, faz um gesto com a mão e serviçais aparecem das sombras da sala, recolhendo os pratos, as taças, os talheres e os restos de comida. Não fico surpresa ao vê-los aparecer do nada como se sempre estivessem lá e sem fazer nenhum som ao andarem.
— Vou voltar para o quarto. — murmuro para o híbrido. — Estou cansada.
Ele meneia afirmativamente a cabeça.
— Irei acompanhá-la. até seu quarto.
Mordo o lábio, sentindo a apreensão acelerar o meu coração, mas nada falo. Pulo da cadeira para o chão e sigo para o meu quarto em silêncio, acompanhada de Zyron. Tenho que sair daqui, não importa como. Várias vezes eu tentei fugir de outros Senhores os quais eu servi. O anterior eu optei pelo incêndio, a única forma de eu escapar do meu sofrimento. Esse não seria diferente. Por que eu sobrevivi ao incêndio?
Antes de eu entrar no quarto, Zyron bloqueia a porta com sua asa.
— Antes de ir, Ayanna, quero dar uma palavrinha com você. — fala ele.
— Sou toda ouvidos, Senhor. — digo, apreensiva.
Seus olhos brilham em chamas roxas e sinto aquela sensação familiar: o glamour do encantamento em sua voz. O medo e a sensação de perigo congela o meu corpo, enquanto eu olhava nos olhos dele, sem poder desviar o olhar.
— Ayanna, não ouse se suicidar novamente. Nem sequer tente fazer isso, eu a proíbo de fazer isso e de ferir á si mesma, de forma consciente ou não.
Estremeço, sentindo minha pele se arrepiar. Ele tinha lançado um encantamento em mim. Poderia ter sido um encantamento pior... Os olhos de Zyron param de brilhar. Então ele sorri de um jeito gentil e faz uma mensura.
— Tenha uma boa noite. — diz a criatura, antes de se afastar e me deixar ali sozinha, tremula e sem esperanças.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cicatrizes
FantasyPor milênios, o mundo era governado pelos Senhores Elementais, divindades mágicas e poderosas de cada elemento, natural e mágico, do planeta e dos seres vivos. Cada Senhor ou Senhora tinha sua Corte formada por seres mágicos inferiores á eles (os co...