CAPÍTULO VIII

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Por aproximadamente uns quarenta minutos seguimos na estrada. Agora eu me encontrava no banco de trás, com fita silver tape na boca e uma sacola na cabeça, enquanto dois homens estavam conversando na frente.

Como se eu fosse um retardado a ponto de ainda não ter percebido, um dos homens disse "isso aqui é um sequestro". "Ah, sério mesmo, imbecil?!", pensei, já que não podia falar com a boca tampada pela fita.

Estacionamos em certo ponto e um dos homens me pegou no colo para me conduzir a pé ao desconhecido por mais uns dez minutos. Finalmente chegamos ao nosso destino e fui jogado no chão, onde eles retiraram a sacola da minha cabeça e também a silver tape, me deixando com cortes na barba e na boca.

Meu cativeiro era uma pequena cabana, com janelas de madeira cobertas por panos pretos. Uma luz tremeluzente que escapava das frestas de madeira do lugar pairava no ambiente (e eu incluí essa frase apenas porque acho a palavra "tremeluzente" muito chique e queria usar).

- Me diga um dos seus contatos que pode pagar seu resgate! - Um dos homens, o mais alto, ordenou. Ele era forte, coberto de tatuagens, com ar marrento de sequestrador, desses que a gente acaba se apaixonando e se metendo numa síndrome de Estocolmo.

- Minha mãe! - Pensei rápido, quando Zé Punch sacou uma arma e apontou em minha direção. - Procura aí, Fátima Carvalho!

O sequestrador mais alto procurou rapidamente o nome da minha mãe na agenda e discou.

- Acho bom você gritar bem convincente ao fundo - disse ele.

- Ai, ai, ai! Socorro! - Comecei, nem precisando soar convincente, porque eu estava mesmo convencida da gravidade da situação, com uma arma apontada pra minha cabeça.

Minha querida mãe atendeu ao terceiro toque e meu raptor colocou a chamada no viva voz.

- Que tu quer? Mais dinheiro!? - Ela começou, gritando. - Thomas, eu já vi que você roubou daqui de casa, Thomas!

- Sequestramo seu filho! Tá sequestrado, ele! - o homem anunciou.

- Que palhaçada é essa, Thomas?! Tu tá querendo me dar um golpe?!

 - Não é palhaçada, mulher! É SEQUESTRO! SE-QUES-TRO! - berrei.

- Vai pra merda que te pari... vai pra merda, apenas! - E desligou, deixando ambos os sequestradores frustrados e incrédulos.

Zé Punch se aproximou ainda mais de mim e colocou o cano da arma em frente à minha testa, dizendo:

- Passa outro contato ou tu vai levar tiro!

Naquele momento, com lágrimas nos olhos e o desespero de virar um montante de ossos dentro de um caixão - ou pior, dentro de uma valeta qualquer, fui obrigado a pensar mais rápido ainda. Eu certamente não havia construído relações muito próximas das pessoas para elas quererem me salvar de um sequestro. Sempre que alguém se aproximava demais, eu afastava a pessoa, com medo de criar vínculos e ser abandonado depois. Então eu basicamente só as abandonava primeiro.

A única que tinha motivos para me querer vive era a desgraçada da Shirley, pra eu pagar o conserto do carro dela. Mas será que ela iria pendurar mais o valor do sequestro na minha conta?

- Shirley! Liga pra Shirley!

O sequestrador procurou o número de Shirley e discou. Ela atendeu ao primeiro toque, dizendo em tom sarcástico:

- Ligou pra pedir minha chave pix? Vai pagar o que me deve, desgraçado?

- AQUI É UM SEQUESTRO! QUEREMOS CINQUENTA MIL PRA DEVOLVER ELE COM VIDA!

O meu raptor então colocou o telefone próximo de mim para que eu pedisse ajuda.

- Shirley, mulher! Quando eu sair daqui eu prometo que te devolvo os cinquenta mil e mando arrumar seu carro! - Pausei para respirar e conseguir gritar desesperadamente em seguida. - ELES ME SEQUESTRARAM, ESTOU COM UMA ARMA APONTADA NA CABEÇA!

- Pois que morra, mentiroso!

Tum... Tum... Tum... A filha da puta desligou, ao mesmo tempo em que o papagaio berrava ao fundo "BASE TIMEWISE 3D BASE TIMEWISE 3D BASE TIME...".

Decepcionados com o quão mal amado eu era e comigo suplicando por clemência, os sequestradores começaram a conversar entre si para resolverem o que fariam comigo. Perceber que ninguém gostava de mim a ponto de me salvar de um sequestro real oficial me deu um embrulho no estômago. A perspectiva de ser morto ali mesmo piorou a sensação. Eu precisava cagar.

- Preciso cagar - falei.

- Tu tá de palhaçada com a gente pra tentar fugir, né? - Zé Punch disse.

- Não, eu preciso mesmo cagar. Tô nervoso! - falei, segurando o Ed Sheeran no brioco.

Eles decidiram, então, que me deixariam usar o banheiro. Enquanto um vigiaria a porta, o outro cuidaria da janela pelo lado de fora da cabana.

Fui conduzido ao banheiro por Zé Punch e sentei na privada. Sabe quando você fica com aquela sensação de cocô trancado e mal-estar e se esforça no vaso mas não sai nadinha de nada, às vezes só um peidinho enclausurado? Pois é.

- Moço, você poderia me trazer um cigarro? - Pedi, pois um Marlborinho light sempre me ajudava a ir aos pés.

- MAS TU TÁ BRINCANDO COM MINHA CARA, NÉ?- Zé gritou, mas logo abriu uma fresta da porta e me atirou um cigarro e um isqueiro.

Às vezes eu acho que quem inventou o cigarro deveria ganhar o Nobel da Paz. É digestivo, tira a fome, ajuda a emagrecer... são mil e uma utilidades. Enquanto isso, o cara que inventou a tomada de três pinos deveria estar preso (e aposto que é muito valorizado). É complexo como o mundo tem suas estranhas injustiças.

Enfim, fumei meu Rothmans melão longo enquanto cagava e logo o Ed Sheeran saiu de mim. Nada contra o Ed Sheeran, mas também muito pouco a favor.

*

Enquanto eu voltava a chorar, os dois homens discutiam como iriam desmanchar meu corpo e escondê-lo. Foi pensando no cocô que tive uma ideia, uma grande ideia! Xandinho, meu ex-futuro-marido-médico. Eu não sabia seu telefone e havia apagado as mensagens e ligações depois de todo o vexame da bosta na bolsa em frente ao restaurante, porém sabia seu endereço. Passei a localização aos homens.

Os dois conversaram e decidiram que um deles (o alto) iria atrás de Marcelo e o outro (Zé Punch), ficaria de vigia comigo, me mantendo em cativeiro.

Quando O Alto saiu, a luz tremeluzente já começava a se esvair do lugar, dando lugar a uma curiosa penumbra (sempre quis usar a palavra "penumbra" também). Zé Punch sentou-se na minha frente para me vigiar, mas conforme a noite chegava, eu ia notando seus olhos se fechando aos poucos. Absolutamente do nada, o homem caiu no sono e eu vi ali minha chance de salvar minha bunda gostosa daquela situação.

Levantei-me da cadeira em que estava sentado e fui a passos lentos até a porta. Eu estava tão emocionado com a nova vida que o Universo estava me mandando, que acabei esbarrando em uma mesa de canto, soltando um sonoro "ai". Meu grito acordou Zé, que veio correndo atrás de mim. Mirei a cara dele e dei um soco e saí da cabana aturdido, notando que ela era localizada em meio a uma mata bastante alta. Eu não fazia ideia de onde estava.

.*

Vinte minutos depois, completamente perdido, passando pelo menos local pela quarta vez, sob um pinheiro onde dois esquilos faziam amor, ouvi um estampido extremamente alto. Aparentemente havia sido atingido por uma bala, provavelmente em algum órgão vital, pois já começava a ficar tonto, com uma dor lancinante no tórax. Minha última lembrança foi a de tropeçar semi falecido em uma raiz de figueira e cair com a cara no chão. Tudo escureceu de repente. Eu estava morto.

(Continua... ou não...).


AS DESVENTURAS DE THOMAS CARVALHOOnde histórias criam vida. Descubra agora