CAPÍTULO XI

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Se a vida só te dá uma mãe narcisista e um cachorro de três patas, primeiro: a vida é uma puta; segundo: faça o que você pode com isso. Carreguei Enzo no colo até onde pude, o que foram alguns quilômetros. Alguns vários quilômetros, nos quais eu desejava estar no submarino implodido do Elon Musk. Depois de cerca de duas horas caminhando, revezando entre eu carregar Enzo e Enzo me carregar, cheguei à casa da minha mãe. Bati sete vezes na porta e meu padrasto atendeu, logo fazendo cara de cão chupando manga.

- Vou chamar sua mãe - Dionísio, meu padrasto, falou.

- Oi pra você também, boa tarde! - Disse para ninguém em específico, porque ele já me dera as costas.

Se tinha alguém que eu odiava quase mais que o Tiago, essa pessoa era Dionísio. Assim como o deus grego com o mesmo nome, ele era um bêbado que vivia em festa e só se aproveitava do dinheiro da minha mãe. Não que eu também não tivesse me aproveitado, só que eu literalmente saíra dela há vinte e quatro anos atrás. Naquele tempo, aborto ilegal já era uma opção. Ela não abortou porque não quis.

- A que devo essa insatisfação? - Minha mãe apareceu na porta cerca de um minuto depois, com cara de quem queria mesmo ter abortado. Ela carregava um rodo na mão e não me preocupei que seria para me bater e me expulsar dali porque a conhecia bem e sabia que ela era viciada em limpeza (tão viciada que antes da faxineira chegar, nas sextas, ela limpava antes pra não deixar nada sujo pra mulher fazer o trabalho dela).

- Essa insatisfação toda aqui veio morar contigo. Eu perdi tudo, das roupas até os móveis e ainda trouxe companhia - falei, apontando pro cachorro. - Mãe, conheça Enzo, meu filho.

Eu jamais me imaginara "pai de pet". Achava um conceito merda instagramado pras pessoas ganharem popularidade e se sentirem melhor adotando uma coisa que só servia pra sujar a casa e comer. Eu estava enganado. Naquela altura, depois de ter adotado Enzo pelo impulso da desgraçada da dona Helô me propondo dizer "sim" a tudo, não conseguia mais me ver sem ele. Aquele cão me acompanhou nos piores e nos piores momentos. Nunca teve um momento "melhor".

- Na-na-ni-na-não! - Falou minha mãe, gesticulando com o dedo indicador na minha cara. - Não tenho mais filho criança pra dar casa e comida.

- O plano é este. Ou eu simplesmente posso dar um jeito de morrer, já que eu não queria ter nascido mesmo e você optou por me trazer ao mundo - respondi, acariciando as orelhas de Enzo e fazendo cara de coitado.

- Não me venha com drama borderline! Um mês... um único mês e você vai dar um jeito de se virar com as próprias pernas. Você com suas duas pernas e o seu cachorro, com as três que ele tem!

Aquilo definitivamente foi um "sim". Não o "sim" que eu esperava ganhar, do tipo "sim, querido filho, entendo que você tenha traumas do passado pelo abandono paterno que sofreu e que tenha desenvolvido uma patologia de personalidade que te impede de alcançar a estabilidade", mas foi um sim. Entrei depressa na casa com Enzo, antes que ela mudasse de ideia.

*

Passei uma semana inteira de sofrimento e desgosto, tendo que usar as roupas da minha mãe e do meu padrasto, limpando os cocôs que Enzo fazia a toda hora e ajudando minha mãe com a limpeza da casa. Na sexta-feira, tive consulta com o doutor Carlos, meu psiquiatra, que aumentou todos os meus remédios - os antidepressivos, os reguladores de humor e os neurolépticos. Ele também deu conselhos daqueles que se lê em qualquer horóscopo, do tipo "você precisa aprender a amar a si mesmo" e "se você se odiar, quem irá te amar?".

Eu não me odiava sempre. Eu passava de me amar a me odiar diversas vezes no mesmo dia. De repente eu conseguia conquistar o mundo e daí, minutos depois, eu não valia mais nada. Eu tinha medo de não conseguir ser adulto, de não ter um plano de longa data - nem de curta - para a vida. Por muitas vezes vivia o momento, sem pensar no depois, nas consequências. Com tudo isso, acabei me envolvendo com diversos parceiros de gosto duvidoso e me enfiando nas drogas. Será que dona Helô iria mandar eu dizer "sim" para as drogas!? Mas eu não podia... além de estar sem dinheiro, agora eu tinha um filho, Enzo.

AS DESVENTURAS DE THOMAS CARVALHOOnde histórias criam vida. Descubra agora