CAPÍTULO III

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Com minha segunda demissão em menos de um mês, eu quase poderia pedir música no Fantástico. Àquela altura eu já havia me dado conta de que a vida estava se opondo a eu conseguir um trabalho digno. Sendo assim, teria que descobrir outros meios de me tornar um homem rico.

Foi pensando nisso que lembrei da minha época da escola, quando a prof. Júlia pediu que desenhássemos como nos imaginávamos no futuro. Os desenhos dos meus colegas continham de tudo: professora, astronauta, bombeiro, policial... O meu desenho, no entanto, continha um belo médico. Um médico e eu. Ele era para ser meu marido. Me desenhei junto dele, sentado numa poltrona luxuosa, assistindo TV (apesar de um quase prodígio, eu era uma criança meio preguiçosa. Até os meus três anos, eu fingi que não sabia caminhar para ser carregado no colo).

Naquela época eu não sabia que estava prevendo realmente meu futuro, aquele desenho era só um desejo distante, como um condenado que risca o terceiro dia em sua parede de cela depois de uma condenação de trinta anos. Foi através daquela lembrança do simples desenho da escola (bem simples mesmo, as pessoas eram de palitinho), que eu tive uma grande ideia. Tudo que eu precisava fazer para conseguir dinheiro era me tornar marido de um médico.

Abri o Tinder no meu celular e comecei minha procura. Cliquei no "não" para todos os homens com foto de carro ou moto popular no perfil, que usavam camisa pólo e bermuda de tactel e também os que trabalhavam na empresa Frases e Versos. Depois de rejeitar uns vinte homens, dois casais liberais e um perfil com foto de calopsita usando óculos de sol, o destino finalmente sorriu para mim.

O destino se chamava Alexandre, um médico endocrinologista de trinta e três anos. Além de ser dono de um sorriso lindo e encantador, "Xandinho" - meu novo crush -, ainda sustentava uma foto no exterior, em frente à torre Eiffel (ou na torre de Pisa, não sou muito bom em arquitetura e geografia). Me surpreendi quando a curtida virou um match, pois minha autoestima andava mais pra baixo que a da Bella sem o Edward, em Lua Nova. Chamei Xandinho no chat na mesma hora.

EU: oi xandinho, médico e visitante de torres no exterior

ALEXANDRE: oi moço haha

EU: te chamei pq gostei de vc, nao pq vc é medico ou tem foto na frente de uma torre internacional

ALEXANDRE: haha

"Haha" toda hora. Eu por acaso tinha cara de palhaço? Tive que tentar uma abordagem mais direta.

EU: afim de me examinar com esse seu estetoscópio gigantesco?

ALEXANDRE: bora marcar haha

Enfie o "haha" no cu, mas bora marcar sim, Xandinho!

O restante da conversa não interessa a você pois falamos sobre sexo em todos os orifícios possíveis (e até mesmo de fornifilia, que eu descobri ser um fetiche onde uma pessoa fica subordinada a fingir que é um móvel da casa).

Para se certificar de que eu não era outra pessoa (Alexandre revelou que certa vez havia marcado encontro com um jovem e quem apareceu foi uma testemunha de Jeová querendo pregar a palavra), trocamos WhatsApp e fizemos chamada de vídeo. No final da noite, eu tinha um encontro marcado para o dia seguinte, na casa dele.

*

No outro dia, oito horas antes do encontro, eu já estava pronto. Vesti um short jeans, uma camiseta branca da Levis, um tênis clássico da Adidas e um chapéu bucket preto, o look contemporâneo do "um vestido, com uma blusa aqui amarrada, com uma bota e meu cabelo solto de prancha". Seria um encontro casual, mas eu pretendia um casamento, então acho que meu look deveria transmitir uma mensagem "safado, porém depende", que era exatamente o que eu almejava com aquela roupa.

AS DESVENTURAS DE THOMAS CARVALHOOnde histórias criam vida. Descubra agora