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Passavam três dias desde o jantar improvisado na casa do médio do Sporting e a pergunta final de Rita, no momento partilhado pelas primas na cozinha do anfitrião, continuava a ecoar na cabeça de Ânia. Entre a reportagem que estava a escrever e os telefonemas constantes da mãe, havia sempre espaço, no fundo da sua cabeça, para questionar e se?

Intrigava-a a forma como se tinha sentido tão desinibida e confortável junto do futebolista, ao ponto de o convidar a subir ao seu apartamento, mas também o porquê de ter voltado atrás e de não ter arriscado. Afinal, estava solteira, livre e não devia justificações a ninguém. E se quisesse beijar futebolistas, sem se preocupar com a manhã seguinte ou com o que viria dali? Será que queria?

Duas batidas na porta interromperam os seus pensamentos, prevenindo-a, também, de entrar numa espiral sem fim. Logo de seguida, Carolina, a sua colega de trabalho, abriu a porta do escritório, apenas o suficiente para conseguir colocar a sua cabeça entre a porta e a ombreira, espreitando para o interior da divisão.

- Ânia, vou almoçar. Ainda ficas?

- Sim. Ainda vou terminar isto, Carol. 

- Até já, então.

A mais nova, embora apenas por alguns meses, sorriu e voltou a fechar a porta de madeira. Já livre da sua introspeção, Ânia voltou a concentrar-se no trabalho diante de si. Estava a terminar a revisão de uma reportagem importante, que poderia chegar à capa do jornal. Colocando os fones nos ouvidos e uma música de fundo, dedicou-se à revisão ortográfica e de pontuação do artigo, para garantir que estava tudo dentro dos parâmetros exigidos. 

Estava já na última página do documento quando foi, novamente, interrompida. O seu telemóvel vibrava incessantemente em cima da secretária de madeira, com o ecrã iluminado em brilhar. No mesmo, um nome que não esperava ler: Francisco Geraldes

Intrigada com o motivo da chamada, suspendeu o que estava a fazer e alcançou o aparelho eletrónico, deslizando o polegar pelo ecrã.

- Ânia? 

- Francisco. A que devo a honra?

- O que achas de irmos almoçar?

Apanhada de surpresa pela questão, a jornalista acabou por gaguejar antes de lhe responder, envergonhando-se, de imediato, com a sua atitude. Tentando ganhar tempo para entender a situação, lembrou-se que o rapaz deveria ter tido treino esta manhã e questionou-o sobre isso mesmo.

- Não estás em Alcochete?

- O treino terminou cedo.  Estou a meio da ponte, lembrei-me que trabalhavas por aqui e que podíamos almoçar no Parque das Nações. Se não tiveres planos, claro...

Sentindo-o, também, um pouco nervoso, Ânia não conteve um sorriso. Respondeu-lhe de modo afirmativo, assegurando-o de que não tinha quaisquer planos, e os dois combinaram encontrar-se dali dez minutos. 

Francisco estava já numa solarenga esplanada, com vista para o rio, quando a morena chegou. Ela vestia uma t-shirt azul-escura, simples e justa, e umas calças brancas que contrastavam na perfeição com a sua pele, ainda bronzeada do verão. Ele, umas calças de ganga claras e uma t-shirt simples, preta. Assim que o viu, a jornalista exibiu um sorriso largo e bem disposto, que de imediato provocou um idêntico no rapaz.

- Tomei a liberdade de pedir umas entradas para nós. - confessou o futebolista, levantando-se da cadeira para plantar um beijo na sua bochecha. 

- Acho que fizeste muito bem. Estou esfomeada! - ripostou ela, correspondendo ao cumprimento e ocupando o lugar à frente do jogador.

A rapariga não teve tempo de dizer mais nada, já que foram interrompidos pela funcionária do restaurante, que lhes entregou um prato com pão de alho com queijo e outro de camarões à guilho, as entradas pedidas pelo mais velho. Depois, pediram as pedidas e os pratos, uma massa para ela e um bife para ele. 

- Que tal vai o trabalho? - ele perguntou assim que a funcionária os deixou, de novo, sozinhos, não permitindo qualquer momento de silêncio.

Em jeito de brincadeira, Ânia olhou para o relógio que trazia no pulso e, depois, novamente para ele.

- Quanto tempo tens? - perguntou, provocando uma gargalhada nele, que se encostou para trás antes de lhe responder.

- Para uma menina bonita como tu, todo. - ela sorriu, não contando com o elogio e ele continuou. - Era esse o motivo do stress no outro dia?

- Sim e não. Estes últimos dias foram duros, porque tinha uma grande reportagem para entregar e digamos que a minha família resolveu não colaborar.

- Queres falar sobre isso?

- Honestamente? Não. Quero aproveitar este almoço inesperado e esta vista bonita.

O futebolista sorriu, apanhado de surpresa pela resposta,  e acedeu ao pedido silencioso dela, direcionando a conversa para outros tópicos. Entre gargalhadas e garfadas de comida, os dois conversaram sobre os mais variados tópicos, desde os treinos dele aos passatempos dela. Antes do fim da refeição, Francisco prometeu que a acompanharia numa corrida e ela retribuiu a promessa, garantindo-lhe que lhe cozinhava a sua famosa carbonara se ele contribuísse para mais uma vitória do seu Sporting.

- Adorei o convite. Obrigada, Chico

Estavam agora junto à entrada da redação, onde ela se despedia dele para dar por terminada a sua hora de almoço. Agradecendo o convite e o almoço, Ânia plantou um beijo na bochecha do futebolista, que lhe sorriu.

- Vou fazê-lo mais vezes, então. - retribuiu as palavras e o carinho, esperando que ela entrasse e desaparecesse do seu campo de visão para se afastar também.

Sorridente, ela retomou ao seu escritório e a tarde pareceu passar num instante e com uma leveza bastante distinta do que sentia durante a manhã. Bonito serviço, Ânia, pensou para si mesma, refletindo sobre a única causa possível para a melhoria do seu dia: aquele almoço e o número 17 dos leões.




devagar || francisco geraldes [pt]Onde histórias criam vida. Descubra agora