O ciclo que os meus pais não encerraram

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Meus pais, como um livro antigo, guardam em suas páginas as marcas de uma infância onde a ausência de carinho os deixou solitários, órfãos de um amor que seus pais lhes negaram. Minha avó materna, mergulhada na escuridão de suas próprias tormentas, encontrou na morte uma fuga, deixando minha mãe e seus irmãos sob os olhos severos de meu avô, enquanto ela se entregava ao álcool e às ruas vazias, até que pôs fim à sua própria vida ao se jogar numa linha de trem.
Imagino como deve ser difícil ser abandonado pela própria mãe, crescer sob o olhar exigente de um pai que desconhece os afagos do coração. Assim, minha mãe aprendeu na infância a dor profunda do abandono, a saudade que nunca se apaga e o eco de um amor que se perdeu. E, do outro lado, meu pai, forjado na fornalha de um passado sombrio, onde o aprendizado veio sob a mão pesada de um ''abusador''. Ele foi esculpido pela violência cotidiana, castigado por erros tão pequenos quanto uma equação mal resolvida. Meu avô, mestre em castigos cruéis, aprisionava meu pai em sombras densas, onde a única luz era a da dor, a única voz, a do medo. Assim, meu pai absorveu da infância o férreo ensinamento de que a violência é eficaz, um código distorcido de justiça que ele carrega como uma herança sombria, um legado de dor que moldou sua existência.

Um dia, durante uma das minhas longas sessões de terapia, minha psicóloga comentou que os meus pais eram pessoas tão machucadas que não deveriam ter procriado. Eles eram como sementes lançadas em solo árido, onde apenas o eco da dor florescia. Vocês conseguem imaginar essas duas crianças crescidas e com quatro filhos? Quando por vezes julguei os meus pais, percebi que estava julgando duas crianças amedrontadas e que não tiveram uma base familiar estruturada. Eles só conheciam a dor, onde a solidão, o desamor e o julgamento os envolviam, apenas por serem quem eram. Enxergar sob essa perspectiva me levava a compreender profundamente suas ações e posturas, mas eu não imaginava quão profundamente isso poderia influenciar meu próprio caminho. Alguém tem que pagar a conta. 

Você não é mais uma meninaOnde histórias criam vida. Descubra agora