Você morreria pelos seus filhos. Mas e viver, você viveria por eles?

9 0 0
                                    

Eu era apenas uma adolescente de quatorze anos, com mentalidade de dez, talvez. Magrela, de cabelo liso, cor indefinida - similar a cor da água de salsicha escaldada. Poucos amigos e um namorado que conheci durante e recuperação escolar, no mês de julho, ano de 2004. Hoje, na casa dos trinta e poucos, percebo o quanto tudo na minha vida foi precoce e a forma negativa como isso impactou em todo o resto da minha história, às vezes, gosto de pensar que as coisas aconteceram por propósitos maiores, acho que pensar assim faz com que eu me sinta menos culpada por tanta negligência e irresponsabilidade.

Quando meu pai partiu, minha mãe perdeu completamente o rumo da vida. Lembro-me de, ainda muito jovem, não compreender como ela podia sofrer tanto por alguém que a vida inteira a maltratou e humilhou. Cada vez que a via chorar, eu procurava um motivo plausível e não encontrava. Meu relacionamento com meu pai nunca foi normal ou saudável, desde que me entendo por gente. E aqui, eu teria que concordar com Freud sobre as questões inconscientes: sei que há muita bagagem ruim aqui dentro dos meus porões internos e talvez, desde o ventre de minha mãe, eu tenha sentido o quanto meu pai era bruto e insensível com ela, e simplesmente nasci repudiando tudo o que ele fazia ou deixava de fazer.

Deve ser uma dor imensa dedicar dezoito anos da sua vida a um casamento, construir um lar, criar quatro filhos e depois ser descartada como se fosse apenas um objeto, sem nenhuma consideração. Acreditem, eu entendo essa dor. Também compreendo o medo de seguir em frente sozinha com os filhos, a insegurança de não conseguir dar conta, o receio constante de faltar algo. Mas, minha mãe tinha quatro filhos, então, ela ia precisar sair dessa e contávamos com isso.

Os primeiros meses foram um verdadeiro inferno. Estávamos morando na casa do nosso pai, e após a separação, ele insistia para que nossa mãe se mudasse para sua própria casa, mas ela, por teimosia, recusava-se a sair. Por incontáveis vezes, meu pai aparecia em casa completamente bêbado, e nunca sabíamos o que esperar. Eu nunca vou me esquecer do medo que ele me fez sentir, eu jamais negligenciaria os meus filhos desta forma.

Os pais costumam dizer que morreriam pelos seus filhos, mas logo vocês vão saber que os meus não, principalmente a minha mãe, que não conseguiu ''viver'' por nós enquanto dependíamos dela.

Assim como minha avó materna, minha mãe também viu no suicídio uma possível solução para suas dores, sem considerar os filhos que ela deixaria desamparados. Em uma noite qualquer e ela decidiu tomar uma quantidade excessiva de comprimidos na esperança de aliviar sua angústia, trazendo para nossas vidas o medo, a insegurança e todos os sentimentos que criança alguma deveria conhecer, nós fomos obrigados a nos familiarizar com toda essa angústia, toda essa amargura e desesperança nos acompanham até os dias atuais.

Você não é mais uma meninaOnde histórias criam vida. Descubra agora