Capítulo 1

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Sendo repostada, mas voltará a ser degustação em 03/2023


"Vigiai e orai para que não entreis em tentação;

o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca"

Mateus 26: 41


A réstia de luz que entrava pela janela e rompia a escuridão do quarto, reincidia exatamente sobre os corpos que se moviam sobre a cama estreita. O observador da cena sentia um latejar estranho e bom em seu sexo ao espiar o momento íntimo. Era perturbador e, ainda assim, ele não conseguia desviar seus olhos da imagem nem bloquear os sons guturais que lhe chegavam aos ouvidos. Os que exprimiam a agonia da mulher se misturavam os urros do homem que investia com força contra ela.

Quem os via não entendia por que ela continuava com os braços estendidos em direção à cabeceira em vez de virar e se defender. Também não entendia o motivo de ela não retirar a venda que cobria seus olhos. A mulher parecia não gostar, mas nunca o parava.

Tudo era sempre igual. E como em todas as outras vezes que os observou, o espião era consumido pela raiva dirigida ao homem cujo rosto nunca via. E, também como sempre, nada fazia. Apenas observava os seios da mulher vendada balançarem livres, e suas nádegas – a carne branca já rosada pelos tapas fortes que recebia da mão vigorosa enquanto era usada. E, sim, excitava-se com a cena.

– Não de novo, Senhor! – Jonathan exclamou, sentando-se no catre.

O corpo suado tremia violentamente. Era dessa forma que invariavelmente despertava do sonho recorrente: culpado e rijo. E como sempre, sabia o que devia fazer. Escorrendo para fora da cama diminuta, seguiu até sua cômoda, despindo-se. Nu, da primeira gaveta retirou seu velho companheiro: um pequeno chicote preto feito de tiras de couro entrançadas numa extremidade e pontas livres noutra.

Caindo de joelhos ali mesmo, Jonathan golpeou as costas com toda força. Após o estalido, as tiras finas atingiram sua pele causando a conhecida dor redentora, roubando o ar dos pulmões. Não devia permitir que sua carne cedesse aos chamamentos mundanos, por isso castigava-a.

Não se recuperara do primeiro golpe, quando desferiu o segundo. Após a quinta fustigada, Jonathan soube que daquela vez não conseguiria domar o desejo canal, ainda assim, repetiu os golpes por mais três vezes. Ao término da autopunição, encontrava-se mais estimulado.

Cansado, com as costas em chamas, deixou-se cair ao chão. Rendido ao pecado, com a mão livre envolveu sua porção rebelada, e procurou alívio paliativo para a fome vinda com as cenas perturbadoras. Com o lábio inferior preso entre os dentes, de olhos fortemente fechados, questionou-se pela enésima vez por quais motivos vontades terrenas lhe eram tão prazerosas.

Deu-se a única resposta, quando sensações inquietantes correram seu corpo ferido, enchendo-o de ansiedade e renovada culpa, envolvendo-o com a satisfação extrema que o levou a liberar a prova de sua fraqueza sobre o assoalho.

Os prazeres do mundo o agradavam porque ele era uma fraude.

O teto surgiu diante dos olhos despertos de Jonathan De Ciello e se tornou cada vez mais nítido à medida que a luz de mais um dia entrava pela janela aberta de sua cela. Não. Não mais um dia... O dia!

Fiat lux! – murmurou para o vazio.

Sim, faça-se a luz no dia em que começaria a caminhada na vida que escolheu. Precisava mais do que nunca de luz e paz, obediência e servidão, retidão e, acima de tudo, penitência. As dores ou a ardência que sentia não eram suficientes para redimir sua alma dos pecados do seu corpo. Se não se sentisse sujo naquele instante, cairia de joelhos e faria uma oração, um ato de contrição. Melhor seria deixar para depois do banho – depois de verdadeiramente se arrepender – então faria um pequeno ato. Teria tempo antes de sua partida.

Enigma - Segredos & Mentiras [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora