Parte 1 - Perdido

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Yoongi suspirou baixo para tentar acalmar as batidas de seu coração acelerado, pressionando os lábios gravemente ressecados em uma linha fina com a ansiedade que tomava seu corpo. Tentou engolir a saliva espessa em sua boca, olhos atentos a sua volta, sua garganta que se encontrava demasiadamente áspera impedindo o ato e não saciando nem minimamente a intensa sede que sentia. E por Deus, como ele sentia sede! Era insuportável a forma como a sua boca estava seca como um deserto escaldante, sua garganta ardendo como se houvesse bebido ferro quente​ e latejando com a necessidade de algo para umedecê-la, para aliviar aquela agonia intensa que quase o fazia esquecer da dor em seu estômago.

Não era como se o rapaz de cabelos negros pudesse fazer alguma coisa a respeito naqueles tempos estranhos e perigosos; água se tornara um luxo que quase ninguém tinha em abundância – "abundância", por sinal, era um termo já considerado arcaico e que há muito havia sido esquecido pelos habitantes do pequeno inferno que o mundo se tornara, onde muitas pessoas estavam morrendo de inanição ou desidratação, se não pela mão de outras.

Pessoas... Fazia exatamente vinte dias que o moreno não via sequer um resto mortal de outro da mesma espécie que a​ sua, mais de duzentos e quarenta e oito dias que não tinha a necessidade de formar qualquer palavra além daquelas que dirigia a si mesmo em sua cabeça. Poderia parecer surpreendente ou até mesmo assustador para uma pessoa que ainda vivia naquela realidade antiga, quando ainda existia uma sociedade que preocupava-se com coisas corriqueiras como estabilidade financeira e sucesso na carreira profissional, mas para aqueles que viviam sob o sistema caótico atual era considerado uma vitória.

Duzentos e quarenta e oito dias que não tinha contato com qualquer ser humano. Duzentos e quarenta e oito dias que não precisava usar sua voz para implorar pela própria vida a alguém que esquecera o significado de piedade.

As panturrilhas do Min ardiam pelo tempo em que se mantivera agachado por trás daquela lixeira em uma medida de precaução, sem se incomodar minimamente com o rato que passava vez ou outra próximo aos seus pés ou mesmo as baratas de variados tamanhos que via correndo pelo ferro coberto por uma tinta azul a descascar; insetos e roedores tornaram-se a menor das preocupações até mesmo para aqueles que antes tinham fobia dessas criaturas, e, naqueles tempos atuais, Yoongi havia se esquecido o que era temer aquelas coisinhas consideradas tão abomináveis há seis anos - ou havia se passado mais tempo que isso? Às vezes, pensava que fazia muito mais que uma década.

Na situação precária em que o mundo se encontrava, por vezes já se vira tentado a transformar um deles em alimento, sempre naquelas terríveis fases em que não conseguia encontrar qualquer comida ou mesmo algo verdadeiramente substancial por vários dias; mas o jovem rapaz aprendera a se autopoliciar para não cometer tamanho erro movido pelo desespero e a necessidade, pois estes poderiam conter algum parasita que o colocaria próximo a fronteira da vida e a morte. E arriscar-se não era um luxo que Yoongi possuía, caso quisesse sobreviver.

E embora pensasse dessa maneira, era exatamente isso que estava fazendo ali, bem atrás daquela lixeira em uma ruela próxima a estrada principal. Estava se arriscando mais do que nunca o fizera, quebrando uma de suas regras de sobrevivência por saber que se não o fizesse acabaria morrendo também. Toda a comida enlatada que tivera sorte de achar no porta-malas daquele conversível depredado havia acabado já fazia exatos dezoito dias, mesmo com todo o racionamento que criara, a água que coletara da primeira chuva suportavelmente ácida havia tido o mesmo fim no dia anterior; e embora soubesse que eram necessários meros três dias para se morrer de sede, Yoongi tinha consciência de que não duraria a metade do segundo no calor infernal que fazia parte do clima atual.

Estava ciente do quão perigoso e até mesmo inconsequente era se arriscar em vias principais como aquela, mas o rapaz não podia simplesmente sentar-se sob a sombra de algum lugar para esperar o seu fim chegar, mesmo que o mundo fosse uma grande porcaria e a morte parecesse até mesmo atrativa, um descanso que as pessoas que viviam nesse mundo agora não possuíam. Ele era muito jovem para ter um fim tão triste, orgulhoso demais para deixar-se levar de modo tão patético, e por isso recusava-se a morrer sem ao menos lutar um pouco, mesmo que sua tentativa pudesse guiá-lo mais rápido ao mesmo destino.

Lone Wolf - YoonKookOnde histórias criam vida. Descubra agora