Parte 5 - Desvelar

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Muito além de carne, ossos e sangue, as pessoas são formadas por ideias.

Ideias são mais que noções aproximadas ou a abstração mental de algo, são tão inerentes ao ser quanto sua própria medula ou células, sendo elas inatas ou não. Elas ascendem em meio a uma era e se entrelaçam em cada centímetro de existência humana como a essência e a resposta de todas as coisas, sendo elas físicas ou abstratas, determinando ações e comportamentos de um indivíduo, medidas de decisões e emoções, transformando o mundo ao seu redor. Criam tabus, desigualdades ou revolução. Pontos e contrapontos surgem e permeiam em meio a maré do tempo, vindo à superfície e mergulhando no esquecimento, movendo uma sociedade através da correnteza do passar dos dias como pedras no fundo de um rio, erguendo e derrubando crenças, incendiando aldeias e construindo monumentos.

Foram ideias que os incentivaram a se erguerem a cada manhã para transformar seu mundo ecológico em uma selva de concreto; através delas lançaram satélites ao espaço e derrubaram florestas inteiras, dizimaram culturas e pisaram na Lua, trouxeram revoluções e guerras sangrentas. Ideias criaram a música e a bomba atômica; por essas abstrações mentais do dia a dia, homens mataram e sucumbiram.

Protágoras, um filósofo grego, afirmou alguma vez que "o homem é a medida de todas as coisas", sugerindo que a verdade dependia da existência pessoal e que qualquer afirmação sempre era relativa a um ponto de vista, uma sociedade e um modo de pensar.

E embora tivesse certeza de que haviam vivenciado o mesmo mundo sangrento e cruel, Yoongi não conseguia apontar o que poderia ter ocorrido para que sua verdade e seu modo de pensar se diferenciasse tão profundamente de Jeongguk.

Desde o princípio, Yoongi tinha ciência de que não estava sendo ele mesmo. Havia se perdido em comparações quanto a sua própria moral em relação a Jeongguk, questionando suas escolhas e onde havia se perdido no caminho para ter se tornado um monstro que o mais velho aparentemente nunca havia cogitado ser.

Todos os dias, o baixinho vestia uma máscara de bom menino e se treinava para agir com a gentileza que há muito havia se esquecido. Lembrava-se constantemente de erguer minimamente os cantos de seus lábios quando Jeongguk o olhava com curiosidade, suavizar sua expressão e agradecer quando o mais velho estendia algo; a simular alguma preocupação humana quando contava histórias que exigiam tal reação. Convenções e mais convenções sociais o envolviam durante a convivência, tão sufocantes e estressantes quanto os julgamentos que brotavam em sua mente por não ser tão sincero quanto ele.

Cada calculada ação não parecia ter qualquer valor além de agradar a sua companhia, satisfazê-lo e confortá-lo com a ilusão de que não estava sozinho naquele mundo amaldiçoado. Manter aqueles olhares afáveis que tinham o poder de aquecer o seu peito como o ascender de fogos de artifício. Consolar a si mesmo para não sufocar-se com o temor de que havia perdido a si mesmo pela estrada há muito tempo.

Então, sua máscara de ingenuidade escorregou em uma situação de escolhas dramáticas e Jeongguk tivera um vislumbre de quem era o menininho indefeso que havia salvado...

A relva seca e irregular se agitava suavemente com a brisa gélida de uma noite sem estrelas, as nuvens escuras cobrindo o céu como uma cortina, como se os deuses quisessem esconder de todos os astros as atrocidades que ocorriam em solo.

A fogueira farfalhando entre eles era o único som que podia ser ouvido. Jeongguk, que estava sentado no banco de um carro depredado ao lado oposto do seu, a porta aberta e os pés cobertos pelas botas de combate encardidas apoiados no chão seco e cinzento, mantinha o olhar focado nas chamas que se agitavam, as orbes castanhas douradas refletindo as chamas com igual fúria silenciosa.

Lone Wolf - YoonKookOnde histórias criam vida. Descubra agora