Parte 6 - Florescer

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O tempo era a única lei que se mantinha intocada num mundo que ruiu.

Mesmo que todas as coisas houvessem perecido diante do destrutivo poderio humano, que o ódio e a ganância houvessem convertido itens de valor – tão cobiçados em outrora, pelos quais homens mataram e morreram – em meros detritos pelo asfalto apodrecido; ou que os animais houvessem se tornado uma vaga lembrança do passado e as florestas já não passassem de lendas de uma época quase esquecida; o girar dos ponteiros jamais cessava ou hesitava. Alheio ao perecer de todas as coisas, o tempo permanecia no seu caminho rumo a lugar algum, pés displicentes que destroçavam os restos de mundo árido, seu caminhar inconstante e indiferente às consequências de sua passagem, com guinadas estranhas e calmarias arrastadas.

E os dias se passavam em silêncio. Mesmo quando parecia impossível para cada criatura que sofria sob os escombros do que um dia foram, ou as dores dos traumas fizessem cada batida do ponteiro dos segundos doer como o sangue pulsando sob um hematoma, o tempo rolava para lugar algum. Dias e noites se mesclavam , enroscando-se entre meses e anos.

Era uma coisa estúpida e humana, ingênua e esperançosa a crença de que o mal feito e a dor pudessem ser justificados por algo tão soberbo e apático quanto o tempo; que um andarilho indiferente como este pudesse baixar seus olhos com algum traço preocupação para os acontecimentos mundanos e fazer esforço para trazer sentido a crueldade insensata sofrida.

O tempo não era amigo de ninguém, não justificaria a nada.

Os pecados cometidos em terra pertenciam aos humanos apenas e permaneceriam sem a resolução desejada se os próprios não fossem capazes de trazê-la. Uma verdade dura de se engolir, ainda mais para crimes hediondos ou aqueles dos quais o pecador jamais conseguiria perdoar a si mesmo.

Alguns pecados não mereciam perdão e Yoongi sabia que algumas manchas não podiam ser apagadas do coração, mesmo com o rolar do tempo.

Seus anos eram poucos, mas o Min sabia que certas feridas perfuravam o peito tão profundamente que, mesmo que a fissura viesse a se fechar, a cicatriz permaneceria como um lembrete doloroso do que se desejava esquecer. Persistia, mesmo que o tempo escorresse com a promessa de dias melhores e cura para as lágrimas que insistiam, ecoando vãs esperanças de que tudo faria sentido em um futuro abstrato ou que o passar dos dias tornaria os horrores em meras lembranças esbranquiçadas, que toda aquela agonia viria a ter uma resposta e um fim.

Não haviam respostas ou justificativas, o mal daquele mundo não precisava de motivo para existir, apenas do estímulo certo.

E para aqueles que não haviam se acostumado ao que era necessário fazer para sobreviver naquela terra árida, coisas densas como o sangue derramado não poderiam ser apagadas das mãos que o derramou, mesmo que as esfregasse inúmeras vezes ou que os dias desaparecessem no horizonte. A sensação sempre estaria lá como um fantasma cruel, um lembrete do monstro que habitava nas sombras de sua psiquê, a espera do momento e situação ideais para emergir da escuridão e fazer o trabalho sujo que seu eu consciente jamais permitiria. E a lembrança do ocorrido retornaria a mente até que não conseguisse se lembrar do calor de dias bons, até que o corpo doesse com o gelo que despontava de seu peito e reverberava por cada fibra de existência. Até que cada batida do coração fosse como uma agonia.

Sangue denso espalhando-se lentamente pelo concreto sujo. Gotas vermelhas escorriam de um facão enferrujado... Um baque seco no chão.

Os olhos arregalados e vazios de uma criança, já sem vida, voltados para si...

ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO ASSASSINO

Lone Wolf - YoonKookOnde histórias criam vida. Descubra agora