O cintilar da prata

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Quase todas as noites, eu ia na casa dele e me desfrutava da demais tentações que me aguardava. Era intenso, do começo ao fim. Eu admirava cada detalhe, cada momento, cada parte de seu corpo, como se não houvesse o amanhã. Seu beijo me preenchia, e seu toque sempre me fazia estremecer. Nós dois juntos é coisa de loucos! E nós... Sabíamos disso, por isso era divertido.
Pietro... Esse que é seu nome? Nunca tive interesse em perguntar. Creio que faz umas duas semanas desde que começamos a transar. Foi naquela boate de terça-feira, que você fingia não me ver enquanto tu saboreava a bebida em seu copo. Sou conhecido por chamar a atenção por onde eu passo, e você se prendeu a mim desde a hora em que me viu, não foi? Me olhava de canto e eu o enganava fingindo não notar. Mas devido ao consumo do álcool, de repente acordamos em uma cama de motel barato.
As vezes me vêm a memória desses momentos, porém não se passam de névoas quando tento lembrá-las. Uma hora me surge a cena na cabeça na qual você está em cima de mim, ofegante, e em outro flashback você parecia me agarrar pelo pescoço com força enquanto encostava teus lábios aos meus. Lembrar disso me dá tesão, mesmo se essas supostas "lembranças" forem apenas devaneios. Dentre todos os caras que já fiquei, a experiência que tive contigo foi surreal! E eu não pretendo parar por aqui, ouviu bem? Haverá muitas e muitas noites como aquela da primeira vez, no motel.

...

Em uma madrugada de quarta-feira, depois de feito os atos do prazer na sua cama, me via agarrado em seu tronco em posição fetal. Ele acendia o cigarro delicadamente e com maestria.

- Pietro?
- Diga. - deu uma baforada.
- Andei refletindo há um tempo... E acho que estou me envolvendo demais com você.
- Isso é bom ou ruim?
- Eu não sei, por isso que eu quero te perguntar - olhei diretamente em seus olhos. - Isso é bom ou ruim?
- Bem, - suspirou. - o ruim é que temos que transar às escondidas, na calada da noite, e longe de tudo, mas, por outro lado, eu tenho você ao meu lado, um gostoso que sabe me satisfazer muito bem, e que sabe me provocar. Isso que eu adoro em você, Nathan. - sorriu maliciosamente para mim.
- Pervertido! - gracejo e desvio o olhar. - Porém é sério, Pietro, e se por acaso eu me apaixonar de verdade?
- Vamos continuar nos encontrando - deu outra baforada.
- Às escondidas? - Aquilo me deixou aborrecido.
- Tem uma ideia melhor?
- E se eu conhecer seus parças?
- Não quero você se misturando com eles. - exclamou, sem rodeios.
- Eu entendo que você não pode ser visto comigo porque pode atrapalhar seus negócios e seu "status". Mas e se eu conquistar a confiança deles?
- Se você der trela para eles, eles vão vir com maldade. É possível que eles te envolvam mais e mais no mundo do tráfico, e eu não quero que isso aconteça. Além disso, o pessoal lá não costuma se dar bem com gente como nós.
- Homossexuais, você diz? Como tem tanta certeza?
- Porque foi nessa que virei traficante. - se exaltou. - No começo, eu só era um muleque quando conheci os caras da periferia, os mesmos que agora são donos de boca aqui. Eu saía com eles o tempo inteiro, e parecia que eu descobria o mundo com eles, tá ligado? Aprendi muita coisa, desde sexo a drogas ilícitas. Foi aí que me puxaram nessa roubada, quando caí por si, já era tarde.
- E não tem como parar? - perguntei, esperançoso.
- Não.

A luz da janela vindas dos postes de ruas iluminava parcialmente o quarto, e deixava o local com um ar azul e sereno. O único som dali vinha do filme que passava na televisão a frente deles, e só. Depois de uma breve pausa de constrangimento, Pietro conclui:

- Na real? Nem todo mundo lá é da maldade, sabe? Por incrível que pareça, lá, existem pessoas boas. Estes, até poderiam te receber bem, mas o rolo mesmo seria logo após você virar notícia na favela. E é por este motivo que eu não quero te envolver nisso.
-- E no fim, o preconceito ainda predomina. - suspirei, desapontado.

Um pouco antes de o sol nascer pelas colinas e vielas, Pietro sempre deixava a sua casa primeiro, com a intenção de evitar suspeitas, portanto não era de se impressionar que eu nunca o via ir embora, nem ao menos ouvir o barulho da porta. Ele me deixava lá, até que eu me arrumasse e partisse também. Ele mora sozinho. Não chega a ser uma casa consideravelmente bonita, contudo o cafofo tem seu valor.
Ando me indagando a um tempo sobre meus sentimentos desde que o conheci pela primeira vez. Não era para estarmos nos falando hoje, era para ser apenas uma ficada de fim de festa. Como resultado, logo após nossa primeira transa, no outro dia ele me mandou mensagem pedindo repetição. E continuou assim, até, aparentemente, se tornar algo mais sério. Pelo menos é isso que eu penso, já ele, não sei se concordaria.
Enquanto me vestia, reparei que sobre a mesa havia algo a brilhar com a luz fraca da manhã que penetrava. É o cordão de prata de Pietro. Estou surpreso por ele ter esquecido, pois parece importante a ele, tanto que nunca foi de deixar aqui, largado. Continha um pingente de crucifixo. Será que eu devo devolver? A essas horas, provavelmente, ele estaria próximo a favela, então eu poderia devolvê-lo, já que é caminho para minha casa. Saí da moradia dele apenas com o molho de chaves que me fora concedido.
E assim prossegui, em direção aos cantos mais sombrios dos becos e vielas da região. Ao contrário de Pietro, eu não via perigo, nem o temeria se houvesse. Depois da nossa última conversa, senti meu sangue ferver diante de todo o preconceito, mesmo que por fora, naquela madrugada, eu parecesse calmo em teus braços. Tudo isso é injusto, e Pietro sabe disso, sei que sabe.
Chegando perto de um bar um tanto duvidoso, fui me esgueirando pelo espaço dos becos próximos ao estabelecimento. Quanto mais eu andava, mais sentia que o caminho apertava, e isso me deixava agoniado. Haviam crianças, moças e mães, senhoras e senhores, esgueirando-se por aquele caminho também, e apenas algumas dessas pessoas repararam em mim. De vez em quando é bom não ser notado. Pensei. Seguindo com a minha trajetória, me deparo com uma enorme escadaria que dá acesso às partes mais baixas da favela, incluindo uma área bem ampla no meio, como boas-vindas. Me veio uma sensação estranha. Paralisei por um momento, olhando do topo da escadaria a paisagem de morros e das casas precárias. Não sei especificar o que eu pensei neste momento, logo o que posso dizer é que o próprio lugar, de algum modo, me causava certa inquietação.
Estou com medo? Por mais que eu não frequente esta parte da cidade, me localizar em um ponto nunca foi um problema. Lembrar das poucas conversas entre eu e Pietro deste lugar, tornou-se mais fácil de me direcionar por aqui, e, portanto, falta pouco para que eu chegue onde muito provavelmente o Pietro está. Sobretudo, ao chegar no meu destino, além de entregar a sua corrente, poderei, pelo menos, analisar alguns rostos do que diz respeito ao seus "parças" . E isso me viria de bom grado, já que saberei de quem se tratam.
Por outro lado, sei bem que estou me arriscando, e imagino que o Pietro não gostaria de me ver explorando este espaço. Mas, minha indignação fez mais efeito do que sua preocupação por mim, perdoe-me. Espero que saiba que não estou aqui para ficar, só vim lhe devolver o cordão de prata que tanto adora, que, por ironia do destino, me trouxe a oportunidade de vir. Talvez isso que carrega deva te proteger, não é?
Enfim, desci os degraus e continuei rumo a boca que Pietro trabalha, ziguezagueando pelos becos. Porém há algo errado, eu sinto. Nem o ar parecia o mesmo de antes. Comecei a suar frio, e... ATRÁS! ATRÁS DE MIM!

- Errou a rota, truta? - o tempo que eu virei para trás foi o bastante para que sacasse o revólver e encostasse na minha costela. Meu coração agora está me bombardeando por dentro. O rosto do sujeito é duro e de queixo fino, de cabelo curto salpicado, moreno. Sem constar que usava um daqueles óculos que mandrakes costumam usar, um cujo suas lentes são coloridas. - O que faz aqui? É da polícia ou do vizinho? - eu não conseguia falar, por desespero. E a demora para lhe responder não o agradava. - O gato comeu sua língua? - me cutucou com o cano da arma, como forma de ameaça. - Melhor me responder, ou senão o parceiro vai virar saudade aqui na favela, entendeu? - ele chegou tão perto do meu rosto que fora possível enxergar teus olhos por trás das lentes.
- Se-Senhor, eu tô procurando por um rapaz conhecido, só isso, não devo incomodar. - foi difícil reerguer a própria voz.
- Quem, truta? Me fala o nome.
- Pietro. O nome dele é Pietro. Pensei que estivesse por aqui, senhor. - corra! Fuja! Saia daqui!

E de repente, ele se aquietou, justamente para me analisar e tirar as próprias conclusões do que havia escutado. Contudo isso me perturba. Afinal, o que ele tá pensando? O que ele vai fazer comigo? O que ganha com isso? Se está complicado me mover, quem dirá pensar num plano. O pânico fluía pelas minhas veias.
Eu sei que posso me mover, basta eu me acalmar. Desesperar-se agora só me traria problemas. Se eu retirar a arma de fogo da mão dele, poderei escapar. Mas o risco seria grande demais. Não há tempo para isso. Não posso gritar por ajuda, nem apelar por misericórdia, pois creio que o rapaz não tem paciência suficiente para aturar certos comportamentos.

- O Tesourinha? - Aquilo me surpreendeu. Afinal ele está falando do mesmo Pietro que me recordo? Este tal de "Tesourinha" é Pietro?

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