Raízes de um favelado

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Estou sendo puxado pelo braço pelo mesmo cara que me ameaçou, que nunca deixou de apontar a arma para mim. Se fosse naqueles canais de televisão de animais selvagens, diria que eu sou a presa. É uma merda se sentir vulnerável.
Caminhamos por mais algumas casas até que chegássemos a um ponto um tanto peculiar, pois para todo o lado haviam marginais, ou fumando, ou bebendo, ou me julgando, ou embalando mercadoria. Tive que andar de cabeça baixa caso não quisesse atrair mais encrenca, até porquê sou uma testemunha, e a qualquer deslize, a testemunha poderia muito bem denunciá-los pelo o que viu, e eles estão cientes disto. Agora, estou num território perigoso, um piso em falso, e me matam sem hesitar.
Não sei para onde está me levando, porém eu espero que a essas horas Pietro saiba que estou aqui, pois eu necessito de sua ajuda! Foi-se um passo depois do outro, com o desconfortável aço do revólver que cutucava o tempo todo minhas costas. Até que paramos.

- Olhem só, cambada! O Fabrício trouxe visita. - era uma voz grossa, diferente da... Do Fabrício, que me segura a frente deles. Mas eu ainda não ouso erguer a cabeça, preciso ser cauteloso com meus atos.
- Fala, chefe! Este aqui tá procurando o Tesourinha. Já trouxe ele pra resolver as parada, e saber se ele tá envolvido com os nossos inimigos.
- Procurando o Tesourinha? Meu nobre, levanta esta cabeça.

Assim fiz, e ao olhar para o seu rosto, percebi um perigo muito maior do que Fabrício. Estremeci por inteiro. Este homem, da voz grossa, é corpulento e alto, mais alto do que jamais presenciei, de cabelo descolorido, branco, e além disto, usava umas 4 ou 5 correntes de ouro em volta do pescoço. Ele estava sentado, de mãos cruzadas, e me encarava de uma maneira esmagadora, embora o sorriso estivesse nítido no rosto. Em outras palavras, a pressão que nele traz é muito grande.

- O que deseja com o Tesourinha? - perguntou.
- Vim entregar um item de valor, senhor. Se não se importa. - fiz o possível para não gaguejar.

Além deste cara, havia mais três integrantes dessa facção ao seu lado, dois na sua esquerda e um a sua direita. Os dois da esquerda, são gêmeos, não idênticos. O que diferencia um para o outro é que um deles é repleto de tatuagens e piercings enquanto o irmão é bem mais simples, com apenas uma tatuagem no braço. De altura, também havia diferença, o dos piercings era um polegar mais alto do que o irmão. Ambos tinham cabelo curto. No outro lado, na sua direita, havia um rapaz de óculos, e de cabelo castanho cacheado. O que eu posso dizer dele é que sua serenidade é assustadora. Pois, ele demonstra uma tranquilidade anormal para um uma pessoa comum nestas horas. Todos me encaravam.

- Um "item", meu nobre? - prosseguiu. - E qual seria? Posso saber?

Com o consentimento de Fabrício, retirei do bolso da calça o cordão de Pietro. Mostrei a todos, com o braço estendido, e com o pingente de crucifixo do colar balançando. O líder cerrou os olhos, e em seguida disse algo, sussurrando, para o cara a sua direita, que logo se retirou.

- Muito bem. - voltou a cruzar as mãos. - Mandei chamá-lo para que possa devolvê-lo.

Pietro vai vir para cá? Estou a salvo! Mas não acho que ficará feliz em me ver. Ele surgiu por trás do moço de óculos, que também retornou. Bastou eu olhar em seus olhos para perceber que não era bem-vindo, foi nítido seu ódio pela minha pela minha falta de responsabilidade.

- Tesourinha! Reconhece este nobre aqui a nossa frente? Isso é seu? - pôs a prova.
- Sim, reconheço, senhor. - me fuzilou com os olhos. Desculpa Pietro, porém eu precisava conhecê-los.
- Ótimo! Já que eles se conhecem, deixem ele com o Pietro, ele deve saber o que fazer a partir de agora, já que são tão conhecidos. - olhou de soslaio para Pietro - Caso encerrado.

Todos se dispersaram, cada um para um canto diferente. Fabrício pareceu não gostar do resultado, portanto foi difícil se desprender do meu braço, tive que fazer um pouco de força para que me soltasse. Logo após foi embora, resmungando.
Quando virei a cabeça de novo, dou de cara com o rosto de Pietro bem próximo de mim, indignado. "Vem comigo", ordenou, e logo em seguida fui puxado para dentro de um barraco composto por troncos de carvalho, dois muros de cimento e uma grande lona por cima. Creio que seja um lugar para que guardem a mercadoria devidamente, pois havia barris e caixas empilhadas num canto à outro. Existia no meio do "cômodo" uma mesa de bilhar. E ali está ele, encostado, pronto para me interrogar...

- Que porra você está fazendo aqui?
- Vir lhe entregar seu cordão. - mostrei.
- Não poderia simplesmente ter guardado e esperado que eu chegasse em casa?
- Não. Afinal, estive louco pra te ver. - me aproximei até quase relá-lo.
- Sei que é mentira. - foi direto ao ponto. - Nathan, sei muito bem que você não está aqui por causa de uma correntinha! Isso foi uma bela desculpa para conhecer com quem eu ando.
- Tá. E daí? Estou aqui agora, não estou? Não quer aprovei...
- Não. - interveio, já sabendo do que se trata. - Melhor você ir embora.
- Tem certeza? - deliszei meus dedos até por baixo da sua calça. Mordi os lábios.
- Custa obedecer?
- Não nasci para obedecer. - nossos lábios se tocaram.
- Para! - afastou-me com os braços. - Por favor, Nathan, vá. É arriscado ficar para cá.
- Para mim ou para você? - me estressei.
- Nós dois - nunca o vi me olhar tão seriamente.

E enfim, o silêncio por dentro do barraquinho tomou conta. Pietro acendeu um cigarro do bolso e desviou olhar até eu me retirar. O colar foi entregue com sucesso.
Sei muito bem que ele não quer estar aqui, e que também não deseja esse destino para mim, no mundo das drogas. Mas, porra, estamos juntos! Eu me preocupo do mesmo jeito que ele se preocupa comigo. Ele não compreende? O que é isso que eu sinto? Ele não é apenas uma máquina de prazer que eu encontrei numa boate? Foda-se! Nem sei mais o que pensar. Só desejo ir embora.

- Seu nome é Nathan? - num susto, visualizei aquele mesmo cara que trouxe Pietro. Ele esteve me esperando? Se sim, esteve também fumando, pois segura um cigarro. - Ah, perdão. Não me apresentei, aqui me chamam de Nikel - sorriu. É assustador. - Já falou com o nosso Tesourinha? É um muleque bacana, não é?
- É... É sim, senhor. - respondi, desconfiado.
- Deixa esse "senhor" pra lá! Somos manos agora. - seus óculos reluziram por um momento.
- Manos? - aquilo me deixou incrédulo.
- Sim, sim! Todo amigo do Tesourinha também é amigo meu. - ele é tão sorridente, contudo eu sentia não ser um sorriso genuíno. Prosseguiu: - Tô partindo agora, então vou te dar uma carona, pode ser?
- Agradeço, mas não precisa se incomodar.
- Não foi uma pergunta, - ajustou os óculos. - foi uma ordem.

Acho que não tive escolha, quando me dei conta, já estava no carro. Um carro de luxo. Minha intuição diz que esse cara no volante, o Nikel, pretende alguma coisa. O que ele quer? Tentei ao máximo não fazer contato visual com ele, tanto que desde quando entrei só vejo a vista que há de fora do automóvel pela janela. Até que não deu mais.

- Nathan. - puxou assunto. - Você conheceu o Tesourinha aonde?
- Num bar. - a primeira mentira que me veio em mente. Eu não podia falar que eu o conheci em uma boate gay. - E vocês, já se conheciam? - mudei de assunto.
- Ah, sim. Conheço aquele garoto desde pivete. - soltou um risinho. - eu tinha acabado de entrar pra facção, quando o vi pela primeira vez. Eu me lembro que, antigamente, chamávamos ele de "Tampinha", ou de "Biribinha", porquê sempre tava irritadinho. Foi uma boa época, garanto!
- Acredito. - Biribinha? Essa eu não esperava. Soltei um riso abafado. - Então vocês se dão bem?
- E porque não? Fui eu que cuidei dele depois que seu pai e os irmãos foram mortos pela polícia. A mãe dele era uma prostituta e fodeu com agiota. O resto desta história, só deus deve saber.

Pietro passou por tudo isso? Nunca havia passado pela minha cabeça. Agora me sinto culpado, por ter te enfrentado. E se ele considera Nikel tão importante na vida dele, acho que não devo julgar o cara que o cuidou. Além disso, a essa altura, penso que ele não faria algo de ruim comigo. Ele é estranho, que sorri o tempo inteiro, e totalmente despojado, porém, com base nessa conversa, ele parece ser um cara digno de respeito. Ele é uma das pessoas boas que Pietro havia comentado? Logo eu iria saber.

- Gostei de você, carinha. Pietro é um muleque de sorte, por ter um amigo como você, que se preocupa. - parou o carro. - Aliás, tudo aquilo que você viu hoje, a tropa, a mercadoria, se por acaso alguém perguntar, faça-se de desentendido, firmou? Nem sai espalhando por aí, se não quiser que nossos papo mude. - foi uma ameaça? - É aqui sua casa?
- É sim, obrigado.
- Que isso, cara! Agora somos parças, fica de boa. - expandiu o sorriso. Ele não para de sorrir nunca?

Saí do carro, e o vi partir. Quando adentrei na minha casa, fui direto jazer na cama. Refleti sobre os acontecimentos de hoje. Nikel, você é um sujeito bem estranho, no entanto estou muito agradecido por ter cuidado do Pietro durante tanto tempo, e, se não for pedir muito, continue cuidando dele, por mim...

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