Um amigo Bonito

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Na terça-feira eu acordo mais cedo e vou para a pista de skate com meu irmão mais novo. Temos uma diferença de idade pequena, somos parceiros desde sempre. Aprendemos a patinar com nosso pai, a andar de bicicleta, mas o nosso brinquedo favorito sempre foi a prancha de rodas.
O clima na pista é muito agradável. É um lugar com pessoas familiares da região. Sempre vemos as mesmas pessoas treinando pro aqui, se tornou uma nova casa.
Esse local fica embaixo de uma ponte que divide a cidade ao meio. A parte sul da cidade é o lar do proletariado e a parte norte, da burguesia. A pista é o lugar de encontro dos dois mundos. As paredes são cheias de pichação: são tantas histórias de lutas sociais em forma de desenhos lindos que não consigo descrever esse lugar.

- Precisa limpar seu skate! - meu irmão repara.

- É, eu sei. Mas não me atrapalha.

De longe avisto um casal: uma garota e um garoto com roupas de marca.

- Dois burg ali. - faço um sinal com a cabeça.

- Vamos ficar longe de problemas, você sabe que sempre rola algum quando gente daquele lado aparece aqui. - meu irmão respondeu. Andamos até o lado oposto da pista.

HÁ muitos anos toda cidade é dominada pelos riquinhos. E a zona sul não tem voz  ou direitos. A única coisa que temos é a arte e os esportes. Não dá pra calar as expressões do nosso corpo.
Temos um acordo silencioso de odiar todos os que representam a massificação de riquezas às custas do bem estar da cidade. Ninguém acredita que a riqueza vêm do puro esforço. Tudo acontece às custas de alguém mais fraco, menos influente, ou seja, o povo do sul.

Não me foi estranho observar a bagunça que aconteceu em menos de meia hora. Provocaram o casal, o cara revidou e saiu machucado com a garota.

Nossa aula começava ao meio dia. A escola que estudamos é na parte rica da cidade, conseguimos uma bolsa de estudos graças ao nosso Pai que é professor e sempre se preocupou com nossa educação. Ele sabe muito bem que nas escolas do sul não tem nem água nos filtros direito.
A gente sai da pista e pega um ônibus como de costume.

- Aquele casal não me era estranho. - comento.

- Todo rico é parecido. - ele comenta e admira a paisagem pela janela.

Embora eu esteja reclamando pra caramba da questão social da minha cidade, o foco desse livro não é esse. O foco desse livro sou eu. Para vocês terem uma noção primeiramente de aparência, eu sou uma garota morena de cabelo cacheado super fechado. Sou de estatura média, nem muito alta, as não sou a mais baixa entre as meninas que conheço. Meu peso é questionável, sou uma falsa magra. Existem parte do meu corpo que odeio, tipo minhas coxas, graças graças, buxinho e bochechas. Mas não é algo que me faça sentir insegura... minha verdadeira insegurança é minha mente. Embora consiga fazer várias coisas, meu dom é arte, e arte não dá futuro. A última coisa que quero é passar fome.

- E então? - meu irmão está de pé me esperando para sair do ônibus.

Em algum minuto em meus devaneios eu comecei a pensar no quanto eu gosto de arte. Me levantei e saímos em direção à entrada da escola que fica cheia de gente nesse momento do dia.

- Preciso ir no micródromo imprimir o plano de aula desse semestre. - comento e Zack confirma com cabeça.

- Vou no mural ver se tem algo diferente nas programações desse ano. Imprime o plano pra mim também. - nos vemos depois!

A sala estava com poucas pessoas, então consegui um computador bem facil. Comecei a procurar no site da escola o meu registro e depois o plano de aulas. Matemática, física, mecânica, química, ciência... Não tem arte. Solto um gemido baixo.

"Chat de Academizade: conheça seus colegas de escola e estabeleça relacionamentos acadêmicos com troca de aprendizado." - essa mensagem surge na tela do computador.

Por alguns segundos me questionei se deveria clicar, me sentir mal por pensar em clicar e então cliquei. Essa rede social parece uma tentativa ridícula da escola fazer os alunos se enturmarem. No fundo eu queria fazer amigos, mas é muito difícil conseguir um amigo que não fale 100% do tempo de coisas fora da realidade. A maddy, uma garota que tentei se amiga ano passado não parava com assuntos de riquinha: "Meu pais sempre me dão presentes chatos e acham que são bons só porque são caros", "mamãe não me deixa beber, acredita?", "essa bolsa é nova, as grifes estão me deixando cada vez mais parecida com uma celebridade". Era tanto ego que eu tive gastrite durante os 6 meses que andamos juntas. Descobri que a melhor forma de afastar Maddy era deixar de falar sobre ela e trazer questões relevantes para nossas conversas. Ela ficava entediada, aos poucos perdemos o contato e hoje em dia sorrimos como conhecidas no corredor. Não vale a pena sacrificar nossos ouvidos pelo menos do silêncio. O silêncio e nossa própria presença são uma benção quando vemos de certo ângulo.

Naquela rede social os estudantes não estavam fazendo o que eu esperava pelo nome do aplicativo. Era um chat de grupos de festas, fofoca, notícia e colas. Era um tipo de Twitter acadêmico.  Fiquei espantada depois que li algumas postagens. Maddy estava acabada, um garoto vazou fotos dela durante as férias. Estavam em uma festa... Estou me sentindo mal por ela agora.

Decidi baixar o aplicativo no meu celular e imprir o plano do mej irmão de uma vez. Costumamos ficar na mesma turma, mas esse ano parece que a sorte não está ao nosso favor. Minha mão começa a tremer de ansiedade enquanto eu espero a impressora. Decidi pegar água na minha mochila, mas acabo tendo um espasmo muscular e a garrafa tomba para o lado espirrando algumas gotas no rosto de um desconhecido.

- Desculpa, de verdade. Foi um espasmo muscular, não fiz de propósito. - me explico tansa. O rapaz tem uma expressão muito malvada, olhos de gato, cabelos muito pratos e pele pálida de assassino.

- Eu te desculpo se fizer essas xerox pra mim. - ele fala calmo e ergue uma folha escrito "festa no sábado ".

- É permitido fazer xerox desse tipo de coisa? Pensava que era apenas com fins acadêmicos nosso uso.

- Você é muito chata. - Ele responde grosseiro e uma verruga se firma entre minhas sobrancelhas. Que cara insuportável, como ele me chama de grosseira? Ele que é um mimado. Só esta tentando me fazer de trouxa, me prejudicar. Se eu fizer isso que ele pede posso me dar mal. Mas é isso, os ricos só ligam para eles mesmos.

- Mimadinho escroto! -  impulsivamente o ofendo. Ele merece. Minhas folhas saem da máquina, eu pego as mesmas sem tirar os olhos dele.

- Sala 304? - ele espia meu plano de aula e eu o escondo apertando contra o corpo. - Beatrice... - ele sorri de um jeito assustador.

- Vai cuidar da sua vida! - essa é última coisa que falo antes de scannear meu cartão de estudante na porta de saída. Ele ainda está me encarando. No caminho da sala sinto um frio na barriga, como se algo muito ruim estivesse para acontecer.

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