1 - Nove meses.

165 18 3
                                    

Meu nome é Alicia Fontana, tenho 17 anos, há nove meses aconteceu alguma coisa comigo, é o que dizem, pois não consigo lembrar de nada. Ninguém gosta de falar muito sobre isso, as pessoas sempre tentam mudar o foco da conversa, eu também não gostava de conversar sobre algo que não sei, mas ultimamente e só consigo pensar nisso. A verdade é que vivo na escuridão, ninguém sabe, ninguém viu, ninguém conta e quando contam sei que não estão dizendo a verdade, pelo menos não tudo o que deveriam dizer. Sou guiada pelas palavras de outros sobre algo que aconteceu comigo, às vezes isso me irrita.
Eu não sei o que aconteceu.
Dizem que estou diferente, não posso discordar. Eu como pouco, durmo pouco, falo pouco e não saio de casa, nem tenho vontade, vivo a base de remédios, sinto muitas dores. Não tenho contato com muitas pessoas, não vejo televisão, não leio jornais, não uso internet, as poucas noticias que recebo é minha família que me traz. Na verdade, eu não vivo, apenas sobrevivo, na melhor das hipóteses.
A única parte boa disso tudo é que tenho um namorado.
Rafa.
Meu Rafa.
Algumas vezes, em alguns dias, passam imagens estranhas em minha cabeça, não comento isso com ninguém, tenho medo de estar ficando louca, quando isso acontece, tomo alguns remédios e durmo. Não dou trabalho pra ninguém, odeio remédios, apesar de ter que tomar a todo o momento, odeio médicos, apesar da frequência que os visito, não gosto que duvidem da minha sanidade, eu sou uma pessoa normal. Eu posso ser uma pessoa normal.
Por isso mantenho essas imagens em segredo. É sempre o mesmo sonho, estou dormindo, tem muita água, tem uma pessoa. Não. São duas. Eu acordo. Estou louca.
....................
Rafa, meu Rafa. Ele esta me olhando quieto, adoro quando ele faz isso, me sinto inteira, é boa a sensação de proteção que o olhar dele me traz, a vida seria vazia sem Rafa aqui comigo. É contraditório dizer que consigo lembrar o dia em que nos conhecemos, se por outro lado, não consigo lembrar o que me aconteceu há nove meses?

Era um dia de chuva, na verdade era um dia ensolarado pela manhã e chuvoso pela tarde. Nós estudávamos na mesma escola e estava chovendo muito quando o sinal para ir embora tocou. Eu não tinha levado o meu guarda-chuva e foi aí que a magia começou. Eu sempre percebi os olhos do Rafa em mim, pois eu sempre o observava também, naquele dia em especial ele me ofereceu um espaço ao seu lado, segurou minha mão e caminhou lentamente do meu lado, seguiu o meu ritmo e eu me apaixonei.
Eu juro.
Me apaixonei.
Não tinha mais volta.
Rafa e eu somos eternos apaixonados, ele sempre me diz que preciso lembrar-me do que aconteceu, mas à medida que o tempo passa me sinto mais confusa, me vejo na escuridão que tudo isso é.
- Por que você me olha desse jeito? - Pergunto para ele.
- Eu te olho tentando encontrar algum detalhe diferente. Eu sempre faço isso, gosto da sensação de me apaixonar de diferentes formas pela mesma pessoa todos os dias.
Rafa. Meu Rafa.
Minha mãe diz que eu fiquei em coma por dois meses, segundo ela foi os piores meses de sua vida, eu acredito em suas palavras.
- Você não acordava não se mexia muito, se alimentava por uma sonda. Eu não podia trabalhar, queria ficar ali do seu lado, te olhando, cuidando de você. Passou pela minha cabeça inúmeras vezes que eu nunca mais ouviria sua voz, que você iria partir, aqueles pensamentos me quebravam por inteiro. Minha filha, eu chorava todas as noites, não conseguia aceitar essa situação, queria você comigo, da mesma forma que era antes, eu pedia isso para Deus. - Minha mãe dizia.
- Então me ajude a lembrar, eu preciso lembrar, estou preparada, as dores acabaram mãe. - Respondi.
- Não é tão simples meu amor, uma hora você vai lembrar. Mas quer saber a verdade mesmo? Eu prefiro que você não lembre, eu só quero minha filha de volta, só isso.
Não gosto quando minha mãe muda de assunto sem me responder, isso me deixa exausta. Às vezes eu imagino que algo terrível tenha acontecido que eu tenha matado alguém, ou alguma coisa do tipo, o que de tão ruim pode ter acontecido que ninguém pode me ajudar a lembrar? Eles não podem esconder isso de mim para sempre.
Logo que acordei do coma meus pais me contaram o que aconteceu, todos os dias durante uma semana eu fazia as mesmas perguntas e eles me contavam a mesma história. Um dia meus pais foram orientados pelos médicos a não me contar mais, pois cada vez que isso acontecia, eu simplesmente bloqueava a informação. Eles queriam que eu lembrasse sozinha, disseram que eu estava tendo lapsos de memória que com o tempo eu me lembraria de tudo. Fiquei dois meses tomando remédios controlados, fazendo visitas constantes a vários médicos e especialistas, fiquei quatro meses sem ver Rafa, aquilo me deixava desesperada eu precisava muito dele. Hoje as coisas estão mais calmas, consigo ver o Rafa frequentemente, voltei com a rotina dos remédios dessa vez tomava apenas quando sentia muita dor.


Até você lembrar.Onde histórias criam vida. Descubra agora