10 - Um ano depois.

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Essa noite eu chorei, na verdade quase todas as noites eu choro, virou rotina. Não tomo mais os remédios, até mesmo quando as dores ficam insuportáveis, prefiro aguenta-las. Minha mãe tem um sorriso sereno, ela tenta de todas as formas me fazer esquecer o que aconteceu, mas acredito que isso nunca vai acontecer. Hoje é dia 13/02/2015, amanhã fará um ano que Rafa morreu, odeio ouvir essas duas palavras "morte" e "Rafa" na mesma frase. Eu ainda não consegui mês despedir dele sinto que preciso fazer isso, sinto que a família dele precisa ouvir da minha boca uma explicação para tudo isso, sei que fazendo isso ficarei melhor.
Minhas aulas iniciaram no dia 03 de fevereiro, faltei as duas primeiras semanas, me sinto indisposta para enfrentar essa realidade novamente, mas sei que é algo necessário. Decidi que na próxima semana irei às aulas, mas antes eu preciso fazer algumas coisas.
Pego o telefone e ligo para casa de Rafa. Depois de dois toques ouço a voz doce de Kat.
- Alô! - Exclama ela.
- Oi... - Não se como dizer essas palavras, estou engasgada, mas continuo - Kat é a Lia... - Ela me interrompe de imediato.
- Oi Lia, que saudades. Tudo bem com você?
- Sim, estou bem - Respondo mesmo não estando, esse "estou bem" sempre sai de antemão, não consigo responder outra coisa, essa frase me poupa uma explicação do motivo de eu não estar bem - Kat eu queria pedir um favor seu - Continuo.
- Claro Lia, você sabe que ainda pode contar comigo, sempre - Ela diz.
- Eu não sei como falar isso Kat, mas, amanhã faz um ano que perdemos o Rafa - Faço uma pausa e engulo o choro - Eu preciso que você me acompanhe até o cemitério.
- Eu sei que é muito difícil pra você, aqui em casa não é diferente, meus pais vivem lembrando ele, nós não conseguimos nos desfazer das coisas dele, isso quebra nosso coração. Você sabe que eu nunca negaria um pedido desses vindo de você, por isso eu peço que você acompanhe eu e meus pais, vai ser bom esse encontro de vocês. - Ela diz.
- Tudo bem, todos nós precisamos desse encontro, então a gente se vê amanhã? Certo? - Pergunto.
- Certo. Lia, fique bem. Tchau. - Ela conclui.
- Você também. - Respondo e desligo o telefone.
Estou muito feliz de ter conversado com a Kat, penso nela como uma ligação minha com Rafa, mesmo ele não estando mais entre nós. Já é tarde, decido dormir, amanhã quero estar disposta.
Tive sonhos terríveis essa noite, acordei várias vezes durante a madrugada, tudo parecia muito real eu voltava no tempo e revivia tudo o que aconteceu de ruim comigo. Vejo minha mãe parada na porta do quarto de manhã, assim que percebe o meu despertar ela me dá um beijo de bom dia, retribuo o beijo e acrescento um abraço. Sinto o clima pesar entre nós, mas procuro não me preocupar com isso, sei que ela quer tocar no assunto, mas não consegue achar as palavras certas, consigo perceber a isso nela.
Tomo café da manhã e me arrumo muito rápido, em poucos minutos vou encontrar com Kat e seus pais, combinamos de irmos juntos ao cemitério. Começo e pensar em frases para usar na conversa com eles, mas estou muito nervosa, tudo o que passa em minha cabeça é um sinto muito. Decido que deixarei eles encaminharem o rumo da conversa.
Recebo um abraço da mãe do Rafa, logo percebo surgir lágrimas em seus olhos, aquilo me parte o coração, ver uma mãe chorar a morte de um filho, isso não é certo, o ciclo natural da vida é os filhos enterrarem os pais e não o contrário. O pai do Rafa é mais discreto, mas mesmo assim consigo sentir a angustia dele. Kat simplesmente me abraça sem dizer nada, acho que a dor que ela sente não deixa as palavras saírem de sua boca. No caminho até o cemitério não falamos uma palavra, o silêncio é quase uma defesa contra o choro. Ninguém quer ceder, eu prefiro assim.
É difícil olhar a foto do Rafa numa lápide e saber que ele está em baixo da terra. Vejo a mãe dele chorando e instintivamente a abraço, ficamos ali por um bom tempo, as duas abraçadas e chorando, tentando aliviar a falta que sentimos dele. Começo a lembrar de momentos bonitos que tivemos juntos, e sem perceber quebro o silêncio que nos acompanhava.
- Eu o amava muito - Digo.
- Eu acredito em você minha filha - A Sra. Cercato responde - Ele também a amava querida, e amava muito. Muitas vezes eu pegava ele olhando uma foto sua e sorrindo. E é isso que me tranquiliza nos momentos difíceis, o sorriso dele. Não posso deixar essa imagem se apagar, é por esse sorriso que eu luto todos os dias quando levanto da cama, é ele que me dá forças para continuar. - Ela diz deixando escapar um sorriso em meio as lágrimas.
Vejo a família do Rafa se afastando, e pela primeira vez fico sozinha com meus pensamentos, sento no chão e começo a admirar a foto em sua lápide, ele tão lindo, tão jovem, o garoto que eu tanto amei esta em baixo de mim e a única coisa que eu consigo fazer nesse momento é chorar.
Rafa.
Meu Rafa.
Na volta para casa, decido contar para os pais do Rafa tudo que lembro e vez ou outra acabo engasgando com as palavras, mas continuo com a minha versão. Parece que eles estão cuspindo toda a dor de dentro quando olham para mim e choram, eu quero tentar aliviar a dor que eles sentem, por isso conto todos os detalhes.
- Lia, eu quero que você fique com alguma coisa do quarto do Rafa - Ouço a voz do Sr. Cercato me interrompendo - Acho que ele ficaria feliz se você ficasse com algum objeto dele.
- Eu adoraria - Afirmo.
Consigo sentir o cheiro de Rafa assim que abro a porta do seu quarto. Sinto uma pancada de emoções. Começo a examinar cada pedacinho, não me importaria de ficar ali dentro para sempre. Abro as portas dos armários e vejo as roupas dele, sinto uma lágrima descer em meu rosto. Pego o celular dele e coloco o padrão, começo a olhar nossas fotos e percebo que são essas fotos que eu quero. Paro de examinar o quarto e me viro para o pai do Rafa, ele esta parado em frente a janela olhando pro nada.
- Posso salvar as fotos e depois devolver o celular, tudo bem? - Pergunto ao Sr. Cercato.
- Fique com ele, por favor! - Ele exclama.
Em casa eu começo a ler todas as nossas mensagens trocadas, ouço as músicas que ele gostava, vejo as fotos e percebo que ele continua dentro de mim, e que o tempo nunca vai conseguir apagar nossas lembranças. Como eu sinto falta de Rafa, isso é mais que evidente em mim. Mas eu preciso superar.
Meu nome é Alicia Fontana, hoje é dia 14/02/2015 e faz 1 ano que perdi a pessoa mais importante da minha vida. Hoje faz um ano que eu perdi o meu Rafa.


Até você lembrar.Onde histórias criam vida. Descubra agora