Não enxergo.
Perante meus olhos somente vejo a negritude da noite, misturado ao véu que cotidianamente chamamos de neblina.
Chego-me a perguntar: "Será que estou cego?"
Ouço risos estridentes, riscando minha alma como unhas em um quadro negro. Consigo sentir as mãos daquele ser tocando em meu corpo, mas não somente nele.
Ouço vozes, risadas e lamentações cada vez mais próximas.
Dou um passo para trás, procurando um ponto em que eu possa chamar de seguro. Um ponto em que essa sensação que tenho em meu corpo passe.
Um rosto aparece em meio a escuridão. Pálido e fosco, como um objeto visto por uma superfície translúcida.
O rosto ganhava forma em meio ao "apagão" em sua volta. Ouço chegar, o tintilar de correntes acompanha o som e sua voz é lamuriante fazendo-me achar que estava chorando...
Agora descubro que preferiria estar completamente cego.
- Melissa?
Reconhecia-a apesar de seu estado. Seus olhos e cabelos com cores tão belas agora estavam brancos, assim como sua pele.
- Porque me deixou Lawry? - ela me olhava de uma forma diferente, como se estivesse suplicando.
Ando em sua direção.
- Mel, o que foi que eu fiz? - Pergunto-a enquanto caminho em sua direção.
- Você me deixou, quando eu mais precisava de você, você me deixou! - dizia-a chorando quaca vez mais intensamente.
Estendemos as mãos um para o outro, tentando de alguma forma reconfortar um ao outro. Corro minhas mãos sobre seu rosto que agora estava pálido, um estado perto da decomposição de um morto.
Minhas mãos correm todo seu corpo, assim como as dela o meu. Fazemos carícias um no outro, tentando compensar o tempo em que estamos distantes apesar de, mesmo assim, ser tão pouco.
- Melissa, o que aconteceu?
- Eles me mataram Laury, isso que aconteceu. Você está vendo minha alma agora. Meu corpo ainda está com eles, em seu esconderijo.
- Não acredito. Você não pode estar morta! Não!
- Estou perto da meu fim, na realidade. Preciso de sua ajuda.
- Mas se esta não é realmente sua alma, como consegue falar comigo.
- Eu estou sonhando agora, assim como você. Não sei, de alguma forma consigo transmitir meus pensamentos e desejos até você. Não consigo controlar isso, é como se tivesse ação própria, não sei...
Seguro sua mão, procurando uma forma de me aquecer e de certa forma, me confortar buscando forças.
- Quanto tempo eu tenho?
- Uma escolha há de fazer;
Para ao mal não pertencer;
Somente a ti tenho de correr;
Da minha morte deves entreter.
- O que é isto Melissa?
- Não lhe posso dizer muito mais. Utilize-se disto....
Sua forma se vai tornando-se cada vez mais transparente. Devagar não consigo mais diferenciar o contorno de seus olhos, de seus lábios à que a pouco beijei. Tão pouco contorno de seu rosto, à que a pouco toquei.
-kitsu-ne . ki-tsune. - Disse ela logo antes de tornar-se um com a escuridão.
- Aí!
Minha cabeça encontra um objeto duro, oco.
Apesar de não possuir um irmão ou até mesmo uma pessoa que dormisse no mesmo quarto que eu, em meu quarto possuímos uma cama beliche no caso de visitas.
- Mais um dia, menos um dia....
Levanto-me, pego minha mochila e vou em direção a escola.