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             A estranheza tomou-me como se fosse a dona do meu corpo. O gesto de minha mãe desembocou em caretas e murmúrios por todo o saguão. Victoria Queenie estava estranha... Muito estranha. Sua pele suada, a expressão de desespero, as falas emboladas... Charlie entrou na frente dela, pedindo que se acalmasse. Eu nunca a vi daquele jeito. Nunca a presenciei tão... Transtornada. A não ser nos dias da morte de Gwen, quando a pegava se lamentando ao achar que não houvesse ninguém por perto. Foram tempos sombrios.

— Você não pode ir! — Ela gritou.

— Senhora Queenie, eu entendo que esteja preocupada, mas não há nada que possa fazer. A decisão está tomada. Vamos tomar todas as medidas de segurança possíveis para que ela volte em completa segurança.

Chase ficou atrás de Charlie, buscando acalmar minha mãe.

— Também não sou de acordo com a ideia, só temos de respeitar a decisão da sua filha. Ela vai por vontade própria.

Por cima daquela muralha de ombros largos, ela arrumou um jeito de encontrar meu olhar.

— Não vou perde-la depois de tudo que fiz para manter você e a sua irmã à salvo dele! Não faça isso, Holly! Não vou te perder!

Não entendi a mudança brusca de personalidade. Por que minha mãe estava tão preocupada quando sequer fez questão de se aproximar de mim em todos esses anos que estive em Scary Lake? Depois de ter me mudado para longe de Miunstton? Busquei me beliscar, tentando provar que estava num sonho onde a protagonista acordaria completamente suada em sua cama... Era real. A cena era real. Minha mãe estava debatendo com Chase e Charlie, o que chamou atenção de mais dos colaboradores do FBI. Eles não aceitariam que ela estragasse seus planos de prender o maior criminoso do nosso estado e possivelmente um dos mais insanos de toda a história dos Estados Unidos. Prevendo uma piora drástica, retomei a posse do meu corpo e dei um passo para frente.

— Charlie, Chase... Me deixem a sós com ela. Por favor. — A dupla de parceiros me desceu seus olhares sobre mim. Charlie pareceu desconfiado que aquela pequena comoção pudesse me fazer mudar de ideia, mas eu o acalmei. — O plano continua de pé. Só preciso de um tempo para ver o que está acontecendo com ela. Prometo.

Chase fez a menção de tocar meu cotovelo, mas me afastei e o gesto não passou despercebido pelo seu superior.

— Vamos deixa-las sozinhas. — Charlie disse. — Venha comigo, Chase. E todos vocês.

Vi as duas figuras se encaminharem para as escadas e desaparecerem junto a todos os outros componentes daquela operação. Quando já não tinha barulho por perto, voltei-me a minha mãe e seu aspecto paranóico. Talvez eu não devesse ter deixado aquele recado pra ela de madrugada avisando o que estava prestes a fazer. Foi uma péssima ideia. Victoria cruzou os braços e buscou recuperar a compostura. Tinha a aparência de quem não tomou banho ao levantar da cama e correu direto pra cá — considerando que usava uma longa camisola preta, eu não duvidava que foi exatamente o que aconteceu.

— Você não pode ir. Não vai.

— Mãe, a senhora está abem? Têm ido ao médico para seus exames de rotina?

— A droga dos meus exames de rotina estão ótimos, Holly. Não têm nada de errado com a minha saúde e nem com a minha mente, se é o que está pensando. — Surpreendendo-me, sua mão segurou meu pulso e as unhas apertaram minha pele. — Estou dizendo que você precisa ficar. Não vou enterrar mais um membro dessa família. Eu não posso ficar sozinha e ser a última da nossa família.

— Por quê não?

— Porque não.

Nós nos encaramos. Ela estava agindo com severidade? Como se eu tivesse oito anos? Me repreendendo de um perigo? Engraçado querer mudar de atitude quase trinta anos depois. Victoria Queenie era inacreditável. Completamente inacreditável. Eu sorri ironicamente, retirando-me de suas garras.

Ultraviolência: Retaliação Onde histórias criam vida. Descubra agora