Bam Bam

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Quem é vivo....

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Quando fazemos tudo para que alguém nos ame e isso não adianta, nos resta um único recurso: não fazer mais nada.

Parei em frente ao prédio da Camila, o cheiro de chuva recente no tijolo me recebeu assim que saí do carro.

Subi os 4 degraus e abri o portão do prédio, segurança zero naquele lugar. Subi mais escadas e parei diante da porta dela...
Troquei o peso dos pés e o assoalho rangeu, precisava sair logo dali antes daquele prédio cair sobre minha cabeça ou eu desmaiar de ansiedade.

Quando fui bater na porta eu congelei, reparei que os nós dos meus dedos estavam brancos, minha mão gelada e meu coração e estômago estavam na disputa para ver quem sairia primeiro pela minha boca. Respirei fundo e bati receosa na madeira, minhas pernas pareciam gelatina.

Ouvi uma voz conhecida gritando pelo lado de dentro da porta. "Tony, não acredito que perdeu a chave de novo. É só a Camila sair que você perde a cabeça."
A mulher baixinha abriu a porta, o sorriso morrendo em seu rosto.

— Boa tarde, Ally.

Ela cruzou os braços e ficou encostada na batente da porta, em claro sinal que não estava satisfeita com minha presença ali. — Boa tarde, Lauren. Camila não está.

— Irá demorar?

— Provavelmente sim, tá em Miami.

— Não sabia que tinha ido visitar os pais.

Ally me olhou falsamente surpresa. — E eu não sabia que você lembrava que os pais dela estavam em Miami. Mas duvido que você saiba o nome deles, ou da irmã.

Cruzei os braços e a encarei. — Por que você tá me atacando desse jeito? O que eu te fiz?

Ela soltou os braços irritada. — Porque eu achei que você fosse diferente! Quando ela me contou como você tratou os idiotas dos colegas dela, eu agradeci a Deus que ela tinha te encontrado. Passei até por cima de algumas coisas que acredito porque eu sabia que ela estava com alguém que preste, mas você é como os amigos dela!

— Eu não sou como eles.

Ela me encarou de uma forma fria, me fazendo recuar um passo. — Exatamente, você é pior que eles, muito pior. Nenhum deles fez a Camila chorar como você fez. Mas graças a Deus apareceu uma pessoa que presta na vida dela, que dá o valor que ela merece.

Meu estômago embrulhou.  — O Tony?

— Não, ela tem mais pessoas que se importam com ela além dele. Pessoas que entendem que ela é doce e tem problemas. Olha, desculpa, mas você me deixa irritada, eu confiei em você, defendi você e me enganei. Você poderia por favor ir embora?

Assenti e saí, ela foi até muito educada, eu no lugar dela teria falado uns 30 palavrões e inventado mais 30 para xingar. Encarei o carpete encardido do corredor, tentando pensar no meu próximo passo.

Desci as escadas e fiquei olhando a lixeira que eu chutei meses atrás, no dia em que pedi mais uma chance para a Camila... quantas chances ela me deu? Quantas eu perdi? Qual delas foi a última?

Entrei no carro, fiz todo o caminho de volta para casa repassando em minha mente toda a minha história com ela.

Quando parei o carro na minha vaga, eu já me odiava mais que a Ally e o Tony juntos. Dói olhar para si e ver que o monstro estava em você o tempo todo.

Que o monstro era você.
Reclamamos de pessoas tóxicas que nos fazem mal, mas e quando a toxicidade está em nós?


Decidi enviar uma mensagem a Camila e vi o tanto de mensagens dela sem respostas que eu deixei. Enviei mensagens, tentei ligar, mas o número dela estava desativado temporariamente.

Entrei nas redes sociais dela, eu ainda estava bloqueada. Senti algo estranho em meu estomago, como se uma mão estivesse apertando ele, então notei que eu estava travando meus dentes, por que eu estava tão tensa?

Dei um pulo quando alguém bateu no vidro da janela, havia esquecido que eu ainda estava no estacionamento do meu prédio. Destranquei a porta e Dinah entrou se jogando no banco, um pacote com Donuds em sua mão,  lembrei que Camila gosta do red velvet, lembrei daquela noite, senti um vazio dentro de mim. Eu só queria correr, fugir para bem longe.
Eu só queria sumir!

— Merda,  o entregador esqueceu meu refrigerante. —Dinah falou abrindo o pacote de donuds — Ah, o sindico me ligou, acho que vou ter que pagar uma multa violenta.

— Te ajudo.

Dinah me olhou por alguns instantes. — Você tá bem? Não me perguntou o que eu fiz, não me julgou? Alguém te abduziu ou algo assim?

Segurei o volante, meus olhos estavam queimando. — Não tô na posição de julgar ninguém.

— Que foi? Já te contaram que a Camila foi pra Miami?

A olhei com um misto de surpresa e raiva. — Você sabia e não me contou?

— Você me perguntou?

Passei a mão no rosto tentando acalmar meu coração. — Há coisas que a gente não precisa perguntar, Dinah, a gente já fala.

Ela pegou minha mão e a segurou. — Eu te amo demais, você sabe disso. Mas as vezes você fica tão presa no seu mundo, com seus muros altos, que não há como te falar certas coisas. E muitas dessas coisas você nem vai escutar mesmo, então nem tento.

Por mais confuso que a frase tenha parecido no início, eu entendi. Olhei para aqueles olhos castanhos, havia preocupação verdadeira ali. Lágrimas vieram aos meus olhos em rompante. — Me ajuda.

Pedi antes de cair nos braços dela.  Ela falou algumas coisas, não pude entender em meio aos meus soluços. Eu só queria a Camila, só queria o cheiro dela, o calor dela.


Após alguns minutos de dilúvio ela passou a mão na minha cabeça, me chamando a atenção.
— Vamos voltar pra terapia, ok? Tenho medo de você ficar autodestrutiva de novo.

Sentei novamente, passando a manga da minha blusa nos olhos, o rímel que lute.  — Acho que a Camila tá com outro.

— Ótimo, bom que assim você fica mais animada pra lutar por ela.

— Ela tá com outro, ou outra, não sei quem é e com certeza deve ser melhor que eu. Não acho que eu vá conseguir lutar, não sou boa o suficiente.

Dinah levantou meu queixo e fez com que eu a encarasse. — Vamos reagir, vamos parar com isso. Cadê minha guerreira?

— Guerreira sem forças, eu não tenho mais forças.

— Então arranca força da sua raiva, lute por despeito! Faça pela sua família que sempre te subestimou, faça pela vaca da sua ex que te trocou pela fama, mas faça algo. Você tem que fazer alguma coisa antes que seja tarde.

— Não é você que sempre fala que tenho que fazer as coisas por mim?

— Eu prefiro comer picanha, mas na falta eu como qualquer porcaria de hamburguer que for matar minha fome. Segue a mesma linha, e vai. Só  não vale ficar parada, você precisa lutar. Ao lutar pela Camila você estará lutando por você também. Você precisa vencer esse cara que tá com ela, mostrar pra ela que você vale a pena. Vocês se amam, você precisa lutar por isso, você precisa vencer.

— A vida não é isso, a vida não é uma competição.

— Então por que você se sente derrotada?

Parei por alguns segundos olhando o volante a minha frente.
Eu queria seguir a música, mesmo minha família indo contra eu segui, foi a melhor decisão profissional que tive na vida, mesmo que isso tenha custado um pouco de saúde mental. Quis meu pequeno irmão na minha vida, lutei inclusive na justiça, e agora tenho ele alguns dias na semana e não trocaria por nada.
O que eu posso perder lutando pela Camila? O que eu posso ganhar não desistindo?

Dinah falou alguma coisa que não escutei, peguei meu telefone e liguei para uma pessoa especifica:

— Guava, me bota no próximo avião pra Miami...  não, não importa o restante, só me manda pra lá.

Dinah me olhou por alguns segundos. — Amiga, não sei se fico feliz ou preocupada.

— Miami deve ta quente, então vou levar poucas roupas.

— Ainda não tô acreditando que você vai pro outro lado do país e eu ainda nem terminei meu donud. — Ela arregalou os olhos — E o projeto?! É essa semana! Você trabalhou esses meses tudo nele.

Dei um sorriso ao lembrar do jeito desastrado da Camila, como eu queria rir do jeito menina dela. — Vocês vão dar um jeito. Confio em vocês. Agora vou fazer minha mala... você disse "vencer um cara"?

— Você não vai dar pra trás agora. Nem que eu te amarre na roda do avião você vai pra Miami. Lauren, eu juro que se você voltar de lá sem ela eu vou... melhor nem falar o que eu vou fazer com você.

— Jamais! Não desisto. Ou trago a Camila ou me mudo pra lá. Eu amo ela, cara! Como fui tão burra? Vou mostrar isso pra ela, você vai ver.

Intersex - a história  de LaurenOnde histórias criam vida. Descubra agora