Intersex - a história de Lauren

Godspeed

Essa história está chegando no finalzinho.
Agradeço muito a todos os comentários,  eles me estimulam muito.
E já tem uma história nova saindo do forno.

Esperar sempre foi minha parte mais difícil.

Esperar para ser notada.

Esperar para ser ouvida.

Agora, estou esperando para ser escolhida.

Como se meu coração fosse uma moeda lançada ao ar, girando no vento, sem saber qual lado cairá.

Mas a verdade é que, por mais que eu tente fingir que sou forte, cada segundo de silêncio dela é um golpe.

Eu tento me convencer que está tudo bem, que posso viver com qualquer resposta.

Mas posso?

Posso mesmo aceitar ficar de fora do sorriso dela, da vida dela, para ver outra pessoa ocupando o espaço que eu quero chamar de meu?

Eu sei que já estive aqui antes, em algum lugar onde promessas foram deixadas para trás e eu acabei sendo aquela que sobrou.

Mas, dessa vez, dói mais. Porque é ela.
E, sinceramente, não sei se vou aguentar ser a escolha que nunca foi feita.

Camila estava no centro da conversa, como sempre, fazendo todos rirem com suas histórias. Hoje, ela estava contando sobre a vez em que a professora da escola usou seu desastrado talento natural como exemplo — do que não fazer, claro.

— Sério, gente, minha professora sempre falava: "classe, se vocês querem saber o que não fazer, observem a Camila." — Ela balançava a cabeça, teatral, enquanto falava. — Um dia, eu tropecei em nada, literalmente nada, e derrubei uma prateleira inteira com os troféus. Era como se meu corpo fizesse questão de provar o ponto daquela professora.

Todo mundo riu, até Sinu. A mesa estava farta, com carne assada, creme de milho e a famosa ropa vieja que Camila sempre mencionava com um orgulho herdado da mãe.
A comida, o ambiente, a descontração… era tudo tão "família", tão típico. Parecia uma cena tirada de um daqueles almoços de domingo onde todo mundo sabe de tudo sobre todo mundo, menos eu.

Almoços em família sempre me faziam sentir como uma peça a mais, aquela que você não sabe onde colocar. Camila estava contando mais uma história engraçada da época de escola, sua risada iluminava o ambiente, mas eu mal conseguia me concentrar.
Sempre que nossos olhares se cruzavam, era como se o tempo desacelerasse. O coração acelerava de um jeito ridículo, como se eu fosse uma adolescente com um crush bobo. E talvez eu fosse, em partes. Pelo menos no que se referia a ela.

— Gente, vocês não têm ideia. Eu era a piada da sala, mas, tipo, o pior exemplo de todos! Eu tropeçava nos próprios pés, derrubava livros... Uma vez, consegui quebrar uma janela quando inventei de ir pro basebol. A professora só olhou para mim como se eu fosse uma bomba-relógio prestes a explodir. — Camila riu mais uma vez, olhando de relance para mim, como se quisesse me incluir naquele momento.

Eu ri também, mas era um riso forçado. Tony desviava o olhar para mim, e eu podia sentir a tensão no ar. Parecia que cada segundo ao redor daquela mesa era um lembrete de que eu estava ocupando o espaço de alguém, e ele fazia questão de me fazer sentir isso. Eu sabia que ele preferia que eu estivesse em qualquer outro lugar, menos ali.
Sinu ergueu os olhos do prato, notando o meu desconforto.

— Lauren, por que você não se serve mais? Parece que está comendo pouco. — Ela sorriu com gentileza, o tipo de sorriso que tenta desfazer a estranheza do ambiente, mas só amplifica o fato de que, sim, as coisas estavam meio estranhas.

— Estou bem, obrigada — respondi, tentando ignorar o olhar de Tony.

— Meu pai já tá no segundo prato, vai sobrar nada pra você se não comer logo. — Camila deu uma risadinha, me cutucando com o cotovelo. Um toque tão simples, mas para mim, foi como se o mundo inteiro tivesse parado por um segundo. Eu queria acreditar que aquele toque, aquele riso, significava mais.
Mas… e se não?