CAPÍTULO UM. SAPATOS SADDLE SHOES SÃO ÓTIMOS PARA FUGIR.

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Sou uma garota do ano de mil novecentos e cinquenta e nove.

Meus deleites são singulares, embora não raros. Aprecio assistir em cinemas drive-in, encanto-me por danças ritmadas ao som de Elvis Presley e cantarolar músicas que estão tomando cada vez mais espaço na vida dos americanos em eventos enormes de rock in roll que atraem uma multidão de pessoas ao redor do mundo, e até mesmo adoro comer em lanchonetes jukeboxes. Às vezes estou trajada em saias rodadas e coloridas, outras vezes confortável o suficiente para experimentar calças leves e jeans, recebendo olhares desaprovadores da geração mais antiga, e aquela que está vindo para conquistar seu espaço erguem o polegar com um sorriso encorajador.

Digo-vos que, independente da época, todos nós somos feitos de momentos efêmeros e tecidos por pedaços de uma existência estelar que nos guiam para a imensidão do universo de nossas mentes. Quando contemplo a figura imponente de minha mãe e recordo-me de que ela já foi uma jovem sonhadora assim como eu, sinto vontade de chorar com  a dor pungente do tempo, que escapa como grãos de areia por meus dedos.

Uma bela mulher que casou-se jovem, entretanto, com o amor de sua vida. ─ O que é a minha singela maneira de enxergar, que as mulheres daquela época não eram livres para descobrir o que de fato era o amor, além da gratidão por seu companheiro. ─ Aquela mesma mulher que conheceu o meu pai no auge da juventude, e ficou nos últimos segundos no auge de sua morte. Agora, rege a família Pearson com perseverança e por mais que eu tente ignorar (pensando o quão egoísta sou, assim como todos meus irmãos), enxergo apenas uma mulher de olhos cansados e tristes, procurando por alguma escapatória em uma rotina cansativa.

Mas de qualquer forma, Goldie Keating tudo faz parecer fácil. É inspirador eu diria, se não temesse tanto me encontrar naquele destino.

Ele não irá demorar assim como me encontrei nesta mesma linha de pensamento alguns anos atrás, já não sou mais uma criança e entendo a importância de encontrar um bom marido. As mulheres estão conquistando o seu espaço na sociedade lentamente, mas algumas famílias tradicionais e com sobrenomes antigos não querem abrir mão dos antigos hábitos e costumes, e mamãe acredita que eu preciso estar sempre perfeita para atrair atenção masculina e quem sabe, do meu futuro noivo. Robert Ackworth, tenho de agradecer o quanto ele é um homem decente.

Suspiro lentamente, espiando pela janela o enorme jardim, imersa em meus próprios pensamentos e temores. Os meus cachos rebeldes estão penteados para encontrarem uma forma ondulada e suave, caindo perfeitamente nos meus ombros e na mesma tonalidade que os meus olhos. Castanho claro, assim como os de meu pai.

Ah, quem eu quero enganar? É até triste ver o reflexo da mamãe recaindo sobre mim e sua criação atingindo meus princípios. Não quero fingir que tudo está bem, que era para isso estar acontecendo porque é a vontade do senhor maior, eu só quero escapar de uma vez por todas da angústia que me acometeu durante as semanas que se passaram. Mas, ah, vamos lá também, Jude!

As pessoas estão morrendo e você está preocupada com um diário…

Um maldito diário, devo dizer.

O meu caderno que se foi juntamente com o meu tio.

John Keating, em outras consequências eu até mesmo elogiaria seu ótimo gosto por escolher o clássico de Mrs Dalloway entre tantos, escrito pela clássica inglesa Virginia Woolf.

Admito que não foi o melhor plano e uma de minhas ideias mais inteligentes trocar a capa do diário pela aparência do livro inglês, mas oras, ninguém adentrava a biblioteca, muito menos passeavam suas mãos pelas estantes até encontrar-se com o letreiro reto que indicava exatamente o que estava esperando para completar a sua vida.

Mas John Keating fez isso. Ele sempre o está fazendo, é claro.

Ah, John! Tinha que ser logo Mrs Dalloway?

𝖣𝖤𝖠𝖱 𝖱𝖤𝖠𝖣𝖤𝖱ㅤ🖋️ㅤCharlie DaltonOnde histórias criam vida. Descubra agora