01. Que os jogos comecem

4.6K 214 137
                                    

GIOVANNA TORRES

Eu nunca pensei em ser advogada mesmo que tivesse todos os motivos possíveis para isso e negasse para mim mesma que a profissão seria como mais uma qualquer.

A ideia de estar a todo vapor em um tribunal defendendo uma pessoa decidindo se ela é ou não inocente perante a um juiz e a um júri que não sabia nada sobre o caso, não me agradava. Eu sempre soube que todos nós tínhamos o direito de defesa e dá dúvida, mas quando você está do outro lado, as coisas mudam de contexto. Você se coloca no lugar da vítima e da família. Às vezes você até pensa em como deve estar se sentindo o culpado também, mesmo sabendo do que ele fez. Em todos os anos em que passei estudando para chegar até onde cheguei, eu ainda não conseguia compreender o motivo disso. Para mim não fazia sentido pessoas desconhecidas decidirem se alguém era ou culpado ou inocente. Ainda concordava de que esse método ao condenava pessoas inocentes e as que realmente deveriam pagar por seus crimes estavam livres.

Eu sabia a verdade, as testemunhas eram cruciais para isso também e não podia deixar de citar a mídia sensacionalista em certos casos de repercussão também.

Eles sabiam ser cruéis.

Na verdade, eles tinham o poder de acabar com a vida de qualquer pessoa e a sua sede pela vida do assassino, mais do que a vítima ou do familiar que perdeu a vítima, sempre me fazia questionar o que se passava em suas cabeças.

A verdade era que as vítimas nunca eram importantes. As motivações traziam mais dinheiro, mais repercussão, mais materias. As pessoas abraçavam a violência. Deixava de lado quem realmente importava.

Quando eu decidi que entraria de cabeça nesse mundo, jurei a mim mesma que nunca defenderia um potencial assassino. Jamais sujaria a minha honra por dinheiro e muito menos a minha carreira defendendo todos os tipos de crimes bárbaros que para mim não haviam desculpa. Legítima defesa era algo completamente diferente de um homem que matava por prazer, aliás uma mulher que assassinasse um homem temendo pela vida, estando em risco, ainda era mais capaz de ser condenada a um homem que realmente cometeu feminicídio.

Sempre me mantive fora dos holofotes, nem mesmo olhando para câmeras e muito menos dando depoimentos que pudessem prejudicar a mim e a pessoa que viria a precisar da minha defesa.

Quando estamos na faculdade acreditamos que vamos conseguir vencer todas e abraçar todas as pessoas que precisam de ajuda. Sonhamos que vamos colocar todos os bandidos e assassinos atrás das grades, que o sistema prisional não vá falhar. Que a humanidade ainda tem esperança de um futuro melhor, de uma vida digna com menos violência.

No entanto, tudo não passa de ilusão. E quando a realidade cruel te atinge e você se vê em uma imensidão de tragédia, querendo ou não você começa a se acostumar com ela mais do que deveria. Eu estava mais enganada do que nunca enquanto encarava a expressão cansada da mulher no espelho.

Eu não dormia bem há semanas, muito menos conseguia me alimentar direito. As noites eram tão exaustivas e os depoimentos tão longos, que mal sobrava tempo para mim. Eu saía tarde, chegava tarde e acordava cedo. Às vezes nem doses fortes de café me mantinha acordada.

Eu estava um colapso total.

E esse colapso tinha dois nomes.

O primeiro era o tipo de pessoa que você abomina para o resto de sua vida. Que só de estar no mesmo ambiente que ela seu estômago embrulha e você precisa inspirar e expirar até conseguir se manter calma. Eu conseguia sentir o cheiro dela há raio de quilômetros mesmo que odiasse essa ideia e isso me causava náuseas.
Tudo o que refletia Maya Garcia me causava ódio. Eu tinha ódio de tudo o que pertencia a ela, ódio do que girava em volta dela, eu tinha ódio da sua existência. Principalmente do seu caráter impuro sedento por poder e dinheiro. Isso era o que a movia. O luxo. A mídia. Ela adorava tudo isso.

ProfanidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora