Capítulo 20

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BHERETH

 Estava sentado em uma das grandes pedras que ficavam próximas ao riacho da mata. Abraçava seus próprios joelhos enquanto encarava o horizonte e divagava em seus devaneios. Quase três meses haviam se passado desde sua chegada à casa de sua mãe e havia criado uma rotina entediante e lenta para si mesmo. Seus machucados estavam curados por completo e apenas finas e fracas cicatrizes preenchiam sua pele onde antes haviam cortes profundos e dolorosos. Seu cabelo havia crescido consideravelmente e suas madeixas escuras balançavam com o ar fresco daquela manhã. Usava apenas uma calça bege rasgada e os raios de sol atingiam e banhavam sua pele atualmente bronzeada. Seus olhos permaneciam semicerrados a fim de não arderem com a forte claridade que refletia nas águas cristalinas diante de si. Seu olhar estava perdido em nenhum ponto específico do horizonte.

 Sobressaltou-se ao ouvir o som de passos sutis, sobre folhas secas, atrás de si. Virou-se lentamente e avistou a esbelta mulher vindo em sua direção. Ela usava seu vestido habitual e se esgueirava pelas sombras das copas das árvores. Cobras a seguiam e os passos vagarosos e cuidadosos dela pareciam como uma dança lenta e silenciosa.

 Ela chegou próxima ao rapaz, se aconchegou em meio as sombras e encostou suas costas em um grande salgueiro. Duas das cobras as quais a seguiam deram algumas voltas ao redor dela e rastejaram em direção à mata novamente.

 — Por que diabos você tá aí de novo? — Indagou a mulher, erguendo e esticando o braço para que uma das cobras restantes subisse até ali.

 — Eu só... — Ele suspirou e voltou a olhar para a paisagem à sua frente — Eu não tenho muito o que fazer desde que voltei dos mortos, sabe.

 — Ora, seja útil. Corte lenhas, cace algum animal, colha ervas! Qualquer coisa que me ajude já seria um grande ato — Ela bufou, fazendo carinho no réptil com a mão livre — Não fique aí olhando o nada, fazendo nada! Você fica aí sentado, igual um bobo, pensando — Franziu o cenho com desdém — Ou, pior ainda, esperando aquela idiota...

 — Eu não... — Sua voz sumiu momentaneamente — Quem tá esperando ela é você! — Concluiu com a voz firme.

 — Eu estou, sim — Ela diminuiu o tom de voz e deu mais alguns passos na direção dele, chegando até a margem do riacho. Tocou as águas com as pontas dos dedos dos pés singelamente e descontraidamente — Mas ao mesmo tempo, não estou sofrendo a cada instante com a angústia da espera — Ela cruzou os braços e continuou mexendo com a água — Tudo vai acontecer quando for pra acontecer. Eu não posso ficar sentada esperando alguma coisa e ficar me martirizando por algo que não tenho controle.

 Ele virou sutilmente seu rosto para ela e a encarou com desprezo, trincando o maxilar. Se inclinou para trás e colocou seus braços na ampla pedra atrás de si a fim de se apoiar. O vento fez com que vários fios de seus cabelos escuros escondessem parcialmente sua visão, mas ele não se importou. 

 — Apenas, vá viver. Você literalmente teve uma segunda chance pra viver, garoto, então aproveite — Ela proferiu com tom de incredulidade — Uma hora ou outra aquela pestinha vai aparecer aqui pra fazer sua vidinha fazer sentido de novo ou... Sei lá — Ela revirou os olhos — A gente sabe que ela vai passar por aqui, então, que assim seja. Vá fazer outra coisa.

 — Eu não quero ver ela, eu só-

 — Não minta pra si mesmo, garoto. Muito menos pra mim — Ela interrompeu bruscamente ele — Venha, vamos fazer algo útil — Ela deu meia volta e pôs-se a caminhar. A cobra subiu até a cabeça da mulher e se enrolou em meio as madeixas acobreadas dela — E, principalmente, sair desse sol ridículo — Ela gesticulou para o céu.

Perdida, Nunca EncontradaOnde histórias criam vida. Descubra agora