Capítulo 4

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"Bom dia, Seul. Estamos ao vivo com a cobertura do primeiro Expurgo realizado na Coreia do Sul. Após doze horas de caos controlado, os dados indicam uma adesão de 89% da população, um número que, segundo autoridades, excede qualquer expectativa inicial. Durante o evento, atividades ilegais foram permitidas, proporcionando o que muitos estudiosos chamam de 'válvula de escape' para tensões reprimidas..."

A voz da âncora, tensa e cirurgicamente controlada, preenchia o ambiente com uma tonalidade que parecia carregar consigo algo mais. O silêncio da manhã se esgarçava sob o som da televisão, onde as imagens granuladas de uma Seul despedaçada piscavam na tela com uma vivacidade perturbadora. Detritos brilhavam nos primeiros raios de sol, vitrines estilhaçadas e paredes pichadas ecoavam histórias de violência que pareciam presas no ar, pesando como uma névoa invisível.

Namjoon estava sentado no sofá, os cotovelos fincados nos joelhos, os olhos fixos nas manchetes, mas com um vazio no olhar que sugeria que sua mente permanecia presa no que acabara de se encerrar. Na tela, carros queimados se amontoavam em cruzamentos, enquanto a fumaça cinzenta ainda subia em espirais lentas. O caos tinha uma beleza estranha, uma pintura macabra que apenas um evento como o Expurgo poderia criar.

"Especialistas, como o renomado sociólogo Kim Yoon-seok, têm debatido as razões para essa participação em massa. Ele afirma que a sociedade coreana, marcada por décadas de pressão cultural e social, encontrou no Expurgo uma forma de liberar suas angústias mais profundas..."

A frase "liberar angústias" ricocheteou na mente de Namjoon como uma pedra lançada em águas escuras. Ele olhou para o chão. Jungkook ainda estava lá, adormecido, o corpo encolhido, os braços caídos em um ângulo desajeitado, quase artístico. Havia algo cruelmente sublime na fragilidade dele. Os olhos de Namjoon percorreram o contorno do ombro exposto, pausando nos arranhões e hematomas que manchavam sua pele. Ele não sabia o que sentia. Não podia nomear. Algo entre cansaço e um êxtase que o envergonhava.

"Embora muitos argumentem que o Expurgo trouxe à tona uma violência controlada, críticos questionam as consequências desse experimento. As autoridades reportaram várias fatalidades e um número considerável de danos materiais. Um dado alarmante é que, enquanto bairros de classe alta estavam fortemente protegidos, os bairros mais pobres foram devastados e sofreram as maiores perdas..."

Namjoon apertou o controle remoto com força, desligando a televisão antes que a última frase se completasse. O silêncio que seguiu era ensurdecedor, denso como se tivesse peso. Ele ficou ali por um momento, os dedos apertados em torno do controle como se fosse uma âncora para algo que ele não sabia se queria segurar.

Finalmente, ele soltou um suspiro breve, se levantou e foi até a janela. Lá fora, a cidade parecia hesitar em acordar. A luz fraca da manhã era quase gentil demais para a carnificina que iluminava: cacos de vidro brilhavam como cristais no asfalto, um lembrete perverso da noite anterior.

Ele se virou lentamente, seus olhos pousando em Jungkook novamente. O rapaz parecia alheio ao mundo, inconsciente, o peito subindo e descendo em um ritmo que soava irregular demais. As marcas da noite — marcas que Namjoon sabia serem em parte suas próprias criações, manchavam o corpo de Jungkook como um mosaico grotesco. Havia uma intimidade distorcida em observá-lo assim, algo que Namjoon reconhecia como perverso, mas não rejeitava.

Ele caminhou até Jungkook e começou a soltar as amarras em seus pulsos e tornozelos, seus dedos se movendo com uma precisão quase metódica, como se estivesse realizando uma tarefa mundana. Os murmúrios baixos de Jungkook o fizeram hesitar por um instante.

A vulnerabilidade nele parecia amplificada agora, cada estremecimento ao toque de Namjoon carregava uma nota que ele não sabia se era de medo ou exaustão.

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