𝟎𝟐| 𝐓𝐖𝐎 𝐇𝐎𝐔𝐑𝐒

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boa leitura

Duas Horas: Quem é você?

   UMA HORA SE PASSOU DESDE A MENSAGEM ANUNCIANDO o início da purificação, e até então, estava tudo normal dentro do possível

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   UMA HORA SE PASSOU DESDE A MENSAGEM ANUNCIANDO o início da purificação, e até então, estava tudo normal dentro do possível. Comecei a me acostumar com o fato de que passaria toda essa noite sozinha e não consegui mais fechar os olhos para dormir ou tirar um cochilo tranquilo. Alguns minutos atrás, troquei algumas mensagens com Helena, que se dispôs a tramar uma forma segura de eu ir até sua casa sem que passássemos pelo centro da cidade, já que lá era o verdadeiro ápice, onde todos os grupos se reuniam para uma grande chacina que eles chamavam de libertação de instintos animais. A TV estava baixa, quase inaudível, passando alguma programação que parei de prestar atenção horas atrás. Meu foco era, a cada cinco minutos, olhar as câmeras e ver se estava tudo bem. Até o momento, estava tudo certo. Grande parte da vizinhança resolveu ficar contra a noite de hoje e estavam trancados em suas casas. Por outro lado, alguns resolveram purgar e eu acabei acompanhando suas saídas de carro até a cidade. Tudo estava em um completo silêncio, e isso me irritava. Na verdade, eu não sabia o que isso me causava.

Eu estava sufocada, completamente, mas também estava horrorizada. Assim como me sentia confiante e com vontade de chorar. Aquele bolo preso em minha garganta não era apenas um choro compulsivo, era um grito de socorro nesse escuro. Odiava ficar sozinha e pensar. Em alguns casos, minha mente era uma máquina brilhante que me ajudava como ninguém, mas, por outro lado, minha mente era minha inimiga quando eu começava a pensar em situações exatas e específicas. Os cenários que eu comecei a criar me deixavam espantada com tanta violência que se passava em minha mente. E eu não falava de pensamentos de cometer um homicídio por puro prazer, eu falava de cenários onde tudo dava errado e todos acabam como minha mãe, e isso me mata por dentro. Meu pai não responder mais minhas mensagens, me deixava em conflito. Eu queria correr e procurá-lo por cada canto da cidade, assim como eu queria me trancar em meu quarto e ficar embaixo da coberta, como fazia quando era criança, e esperava que o medo cessasse a qualquer momento, mas isso não iria acontecer. Mas que porra, crescer é um saco.

── Eu preciso me distrair ─ falei, andando até a cozinha, acendendo a luz do local e diminuindo a iluminação. Fui em direção aos armários e à geladeira. ─ Bolo com carne assada?

Peguei os ingredientes e me mantive ocupada assando um bolo e alguns pedaços de carne com legumes para a janta ou almoço, ou seja lá quando eu vou comer isso, eu só preciso me distrair. Perdi pouco mais de meia hora ali, lavei toda a sujeira que fiz e fui até a sacola que Helena montou para mim mais cedo e ri baixinho vendo a quantidade de besteiras que tinha naquela sacola. Mas o que chamou minha atenção foi um recipiente de plástico de tamanho médio com pequenos quadrados dentro e abri um largo sorriso. Brownies. Meus favoritos. Logo peguei o pote, ignorando todas as demais balas e doces que estavam ali, fui até a geladeira, pegando o pote de sorvete. Coloquei na bancada e sentei, abrindo os potes e pegando uma colher. Sem enrolar muito, comi uma colherada exagerada de sorvete e fechei os olhos. Ansiedade e comida não combinavam, pois isso acaba sendo algo totalmente compulsivo, mas esse era o tipo de coisa que me relaxava no momento.

Abri o computador e abri o aplicativo das câmeras, ficando ali, observando a rua vazia enquanto comia os brownies com sorvete.

De uma rua vazia e sem qualquer movimento ou barulho, algo me chamava a atenção. Puxei o zoom e me assustei quando vi um homem correndo com uma mochila nas costas. Só esse ato já me deixou completamente tensa, e minha cabeça viajou em todos os possíveis cenários ruins. Ele estava com medo, isso era um fato notável a quilômetros de distância. Seu semblante estava assustado enquanto olhava para os lados e se escorava nos cantos escuros das casas. Quando ele viu algo, ele se abaixou e entrou no meio do escuro, ficando ali sem que eu conseguisse vê-lo pelas câmeras. Apesar de minha câmera de segurança também ser noturna, o local onde ele estava era fora de alcance, então eu não conseguia mais acesso para ver o que estava acontecendo. Quando tirei o zoom, quase morri ali mesmo sentada.

Um grupo de pelo menos dez pessoas, totalmente armadas até os dentes, passou correndo pela rua e batendo nas portas. Mas era em vão, estávamos bem protegidos. Assim espero. Mesmo assim, meu alerta se ligou e eu corri até a cozinha, abaixando ainda mais a iluminação. Eles não podiam ver aqui dentro de casa, mas meu cérebro se recusava a acreditar nisso. Noites como essas eram sempre fáceis de dar tudo errado, mesmo você achando que já fez tudo certo, e eu não queria tentar minha sorte. Já era muito difícil conseguir estar em casa sem surtar completamente e eu não queria brincar com isso. Os outros cômodos estavam desligados, então fui até o quartinho que seria da limpeza, pus a senha e minha digital, peguei uma M1911, recarreguei na mesma hora, e uma calibre 38, fazendo o mesmo e guardando um cartucho extra no bolso do meu casaco.

Eles nem sequer se aproximaram daqui, concluí em pensamentos. Mesmo assim, meu pai poderia chegar a qualquer momento e eu iria ajudá-lo a passar por eles. E eu tinha medo de alguma coisa dar errado. É melhor se precaver do que pagar pra ver e ser morta no processo.

Meu coração acelerou de uma forma que as batidas descompassadas faziam eco em meus ouvidos. Eu sentia minha garganta pulsar junto, meus lábios secos e olhos arregalados. Duas pessoas do grupo estavam paradas em frente à minha casa, olhando a câmera. Apenas suas máscaras estavam sendo gravadas e isso me fez arrepiar. Eles eram doentes, eles são doentes. Ninguém fez nada, não se moveram ou tentaram forçar a entrada. Só ficaram ali parados encarando a câmera e foi impossível não se assustar quando eles bateram na proteção de metal na frente da porta e saíram como se nada tivesse acontecido.

Mas que porra foi essa?

── É só um bando de idiotas de merda ─ concluí para mim mesma e sentei novamente na bancada, acalmando todo meu ser.

Continuei a olhar pelas câmeras. Eles pareciam procurar algo e, quando não acharam, entraram nos carros e deram partida. Continuei comendo sem me importar muito e aproveitei o silêncio para pensar em absolutamente tudo, desde pensamentos grandes até os mais banais. Olhei para meu celular e não tinha mais notificações e isso me irritava. Meu pai sempre me mandava milhares de mensagens durante o dia, mas justamente no dia em que ele precisava encher meu saco, ele simplesmente sumiu.

Levantei na mesma hora que ouvi alguns barulhos suspeitos e me senti tensa, mas estava tão distante que apenas relaxei. Provavelmente era meu pai. Levantei, indo até a sala e esperando sua figura aparecer. Fui arrumando as almofadas do sofá e, apenas ao ouvir o barulho dos passos, virei automaticamente, retirando a arma que estava presa no cós da minha calça.

Ele não era meu pai. Seu corpo alto e chamativo apareceu em meu campo de visão. Ele estava com uma mochila nas costas e olhos assustados, assim como no vídeo. Ele era a pessoa que estava fugindo do grupo de pessoas.

Meu coração estava disparado, quase me faltava ar, mas eu não iria demonstrar que estava totalmente assustada ao ver esse homem desconhecido parado na minha sala. Além do medo, a adrenalina me bombava de uma forma tão grande que eu sentia que tinha corrido uma maratona.

Ele apenas levantou as mãos em rendição enquanto eu apontava a arma em sua direção.

── Quem é você?

𝐓𝐇𝐄 𝐏𝐔𝐑𝐆𝐄, 𝖽𝗋𝖾𝗐 𝗌𝗍𝖺𝗋𝗄𝖾𝗒. Onde histórias criam vida. Descubra agora