O sonho e a carta
Era uma noite comum, como todas as outras noites, talvez um pouco mais cansativa já que eu me recuperava das festas de ano novo. Não de uma ressaca após o primeiro dia de janeiro, não me entenda errado, estou me referindo ao cansaço de horas acordada quando se tem o costume de dormir com as galinhas.
Aquela noite estava fria, bem diferente do tão acostumado calor das últimas semanas, e o silencio inquietante, como se uma parte minha previsse algo na qual eu mesma não me dava conta.
Com o corpo e a mente exaustos da longa confraternização em meio a música alta, bebidas (na qual me abstive) e ceia farta, logo adormeci assim que cheguei em meu quarto. O sono me embalava junto da escuridão e o aconchego que só a noite trazia quando, de repente, eu estava em casa. Não a casa na qual digito agora essas palavras, mas a minha casa onírica, fruto da minha imaginação, tão simples e aconchegante quanto eu mesma poderia desejar.
Nela havia pouco mais de quatro cômodos. Uma cozinha, um quarto, um banheiro e uma sala. O sol da manhã entrava pelas janelas enquanto a brisa suave sacudia as cortinas de renda. Um pouco afastada em uma das paredes, uma vitrola tocava sua música calma, lenta, inspiradora, mas um tanto melancólica. Porém, isso não atrapalhava a sensação de paz e aconchego que aquela casa trazia.
Longe do tempo moderno onde mensagens caem a todo instante em nossos celulares, computadores ou notebooks, aquele lugar não possuía esse tipo de interferência. Por ali tudo era um tanto antigo, desde o rádio a pilha, o telegrafo de disco, o chão de lajotas até os móveis de madeira que brilhava com a luz do sol junto de algumas samambaias que entravam pela janela.
Nesse recanto de paz e tranquilidade eu me encontrava em frente a uma máquina de escrever, tão antiga e tão fascinante aos olhos de qualquer escritor, o som das teclas preenchendo a casa junto da melodia da vitrola enquanto o texto surgia na folha de papel.
Não me recordo das palavras escritas, mas provavelmente não eram tão importantes quanto o que aconteceu depois.
Concentrada no trabalho, demorei um pouco para perceber o som estridente de uma campainha ecoar pela casa junto de uma voz que gritou uma única vez em alto e bom tom: " Carteiro! "
Lembro de sentir um arrepio percorrer meu corpo enquanto ia descalça atender a porta, o chão de madeira rangendo a cada passo enquanto me aproximava da entrada, no entanto, antes que eu pudesse alcançar a maçaneta, um envelope escorregou pela portinhola flutuando lentamente em direção ao chão. Do lado de fora, consegui ouvir o som das botas pesadas se distanciarem até o silencio preencher meus ouvidos.
O carteiro havia ido embora.
Com uma estranha sensação invadindo meu peito recolhi o envelope.
Seu papel estava amarelado, como se fosse mais antigo do que os móveis em minha casa. Nele não havia remetente, apenas um brasão em cera vermelha na qual encontrava-se a imagem de dois ramos, um pássaro e as inicias L.N.
Um arrepio percorreu meu corpo enquanto tocava aquele brasão. No fundo eu sabia que o que estava ali dentro marcaria para sempre minha vida.
Exatamente como foi.
Sem muito no que pensar, levei a carta em direção a uma poltrona perto das janelas, preparei uma xícara de chá e me acomodei o melhor que pude antes de começar a ler.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A carta de Lohren
RomanceSonhar é comum, afinal, quem nunca sonhou? Mas e quando aquele sonho insiste em continuar vivo na sua memória e não some com o decorrer das horas? Ao contrário, vai te incomodando desde o momento que abre os olhos até o desjejum onde seu café esfria...