Canário 

Passar os dias trancafiada em meus aposentos estava se tornando cada vez mais angustiante. Por algumas vezes, meus encontros com Noah perduravam pela manhã, enquanto outros ocorriam durante a tarde. O fato é que aquele simplório rapaz havia conseguido um lugar importante em meu cotidiano. Algumas vezes, passava noites em claro ansiando por dar continuidade às nossas conversas e, sem que eu me desse conta, aquela amizade foi se estreitando cada vez mais, ao ponto de as disputas de pedrinhas se tornarem passeios pelos campos onde nos deitávamos em meio às flores para falar sobre a vida.

Em uma dessas manhãs, observávamos as nuvens flutuarem calmamente pelo céu enquanto dávamos nomes aos seus formatos peculiares.

— De onde você vem, Noah?

Um grande coelho preencheu parte do céu azul enquanto o cheiro das flores perfumava meu nariz.

— Eu vivo em um pequeno povoado além dessas campinas, mas quando eu era criança morava em outro lugar.

— Que lugar?

— Não me lembro o nome, eu era muito pequeno.

— Seus pais devem saber, nunca perguntou para eles?

Um silêncio repentino tomou conta das planícies, e imediatamente me senti culpada por indagar algo tão pessoal de sua vida. No entanto, antes que eu pudesse me desculpar, sua voz preencheu o silêncio.

— Foi uma decisão minha vir morar sozinho. Meus pais continuam em nossa cidade natal.

— Não sente falta deles?

— Para ser sincero...

Ouvi um longo suspiro.

— Um pouco.

Podia sentir outra pergunta nascendo de minha curiosidade, mas antes que eu pudesse expô-la, seus olhos azuis me encararam, seguidos de um sorriso leve de quem diz: "Não quero continuar nesse assunto, por favor..."

Respeitando sua vontade, continuei a observar as nuvens, imaginando como seria viver sem meus pais. Quando me dei conta de que tal pensamento me levava a um sentimento indecifrável, decidi mudar de assunto.

— Aquela nuvem parece com meu canário.

Apontei para o céu. Noah me acompanhou com os olhos.

— Deveria soltá-lo.

— Venho pensando muito nisso ultimamente...

— Então, por que não o fez ainda?

Dessa vez, fui eu que respirei fundo.

— Compreendo que deve ser horrível viver preso, mas uma vez a empregada me disse que ele é um animal muito manso e que provavelmente já nasceu em uma gaiola. Se eu o soltasse, o que ele comeria? Para onde iria? Não seria o mesmo que entregá-lo à morte?

Noah me encarou com atenção. Os olhos azuis haviam ganhado uma tonalidade profunda.

— Já parou para pensar no que ele gostaria?

Sua pergunta me fez refletir, mas antes que eu conseguisse dar uma resposta, Noah continuou.

— Se bem que, para um pássaro que não conhece nada do mundo, não há muito o que se gostar além da sua gaiola.

Ouvir aquilo me trouxe uma sensação estranha. Definitivamente algo que eu não gostaria de sentir por vontade própria.

— Podemos mudar de assunto?

Senti os olhos azuis sobre mim.

— É claro, mas só se me prometer uma coisa...

Noah se deitou de lado, apoiou o rosto em uma das mãos enquanto a outra arrancava um punhado de relva.

— E o que seria?

Em um movimento rápido, vi quando ele colheu uma delicada flor colocando-a atrás da minha orelha.

— Não seja como o seu canário.

A carta de LohrenOnde histórias criam vida. Descubra agora