Encontros
Havia se passado algumas semanas desde o ocorrido; por sorte, consegui encobrir a situação em que me encontrava usando a desculpa de ter escorregado no banho. Tal história pareceu convencer meu pai que não tardou em chamar um médico.
Fiquei em repouso absoluto durante longos e intermináveis dias onde boa parte daquelas tão tediosas horas foram gastas apreciando o canto melódico e suave do meu canário.
Para a minha surpresa, notei que a bela ave ganhou a companhia de um pardal que se empoleirava todas as manhãs no alto de sua gaiola. Talvez o alpiste em fartura e a água limpa o tivessem atraído até ali. Nada mais do que um mero instinto de sobrevivência, mas de qualquer forma, meu pássaro parecia se animar com o novo amigo.
Enquanto eu os observava uma parte dentro de mim ia se contorcendo aos poucos em uma dorzinha incomoda, principalmente quando a imagem das águas azuis do rio chegava até meus.
—Noah...
Nosso encontro havia sido um mero acaso. Não tinha motivos para me recordar de seu nome muito menos da feição afável e gentil de seu rosto. Provavelmente nunca mais nos veríamos de novo.
Ao menos era isso o que eu esperava...
Quando me recuperei totalmente da lesão em meu tornozelo voltei a caminhar em torno do rio, dessa vez os mistérios do que se escondiam no vasto horizonte não me cativavam como antes.
No fundo, meu desejo se tornou outro.
Sem que eu percebesse, meus pés haviam me levado de volta ao caminho de pedras onde, para minha surpresa, encontrei o mesmo rapaz sentado no leito das águas cristalinas. Assim que notou minha presença Noah rapidamente se colocou de pé sacudindo a poeira das calças cheias de remendos.
—Oi!
—Oi...
Tentei não encarar o sorriso tímido que moldou seus lábios. Ele parecia um tanto desconcertado e, para minha surpresa, eu também.
—Lohren, certo?
Apenas concordei.
—Como está o seu pé?
—Melhor.
—Que bom.
Seus dedos foram até os suspensórios gastos enquanto os olhos se perdiam na imagem do rio. Sem muito o que dizer fiz o mesmo sentindo o vento bagunçar meu cabelo.
—É bonito, não acha? — os olhos azuis se voltaram para mim.
—Sim...
Longos segundos se passaram sem que disséssemos alguma coisa. Quando o silencio se tornou insuportável tomei coragem em puxar assunto.
—Não me lembro de vê-lo aqui.
—Posso dizer o mesmo.
Suas mãos foram até o bolso tirando uma pedrinha, logo em seguida ele a arremessou no rio.
—Eu costumo dar voltas ao entardecer, ajuda com os pensamentos.
—Eu costumo fazer isso também, mas pela manhã.
—Imaginei...
Ficamos mais um tempo em silencio. Noah continuou a arremessar pedrinhas enquanto eu o observava.
—Quer tentar?
—Eu não sei fazer isso.
—Pode aprender.
—Não quero sujar minhas mãos...
Sorrindo, Noah foi em direção ao rio e lavou a pedra que estava em sua mão.
—Agora não tem mais desculpas.
Olhei para a pedra por alguns segundos.
—Garanto que ela não vai te morder.
—Muito engraçado...
Revirando os olhos, aceitei o cascalho que estava frio.
—Agora é só esticar um pouco o braço e jogar.
Com certa relutância fiz como ele havia dito vendo a pedra bater com tudo na água e afundar. Ao meu lado Noah ria.
—Não é educado rir de uma dama, sabia?
—Me desculpe, mas esse foi o pior arremesso que eu já vi.
O encarei indignada.
—Pois o erro foi de quem me instruiu! Que, convenhamos, é um péssimo professor!
—Tem razão, peço desculpas — ele ainda ria — Vêm, deixe-me te explicar o jeito certo.
Passamos um bom tempo ali. Por diversas vezes Noah me mostrou como esticar, dobrar e rodar a mão para que a pedra girasse várias e várias vezes na superfície do rio antes de afundar, só na última tentativa consegui um resultado satisfatório.
—Há! Essa foi mais longe que a sua!
—Não exagere.
—Ah é? Então preste atenção que vou fazer de novo!
Estava tão concentrada com o meu novo objetivo que não notei quando Noah parou de arremessar suas pedras.
—Viu! Três vezes! Ela pulou três vezes antes de afundar!
—Fiquei preocupado...
Dessa vez fui eu que o encarei.
—Desculpa, eu não entendi...
—Fiquei preocupado quando te vi no rio — ele fez uma pausa — Por um momento achei que você fosse morrer.
Surpresa, acabei olhando para as águas azuis. Se Noah não tivesse aparecido provavelmente meu corpo estaria em algum lugar lá e baixo.
—Serei eternamente grata pelo que fez.
—Eu só estava no lugar certo e na hora certa.
—De qualquer forma, obrigada mais uma vez Noah.
Por um instante, poderia jurar ter visto o espanto transparecer em seus olhos azuis quando um sorriso moldou seus lábios mudando a minha atenção.
—O que foi?
—Nada...
O vi esticar os dedos em direção ao chão.
—Mas voltando ao assunto, você ainda precisa treinar muito para ganhar de mim nesse jogo.
E com um arremesso preciso sua pedra quicou seis vezes na superfície azul antes de desaparecer na parte mais profunda do rio.
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A carta de Lohren
RomansaSonhar é comum, afinal, quem nunca sonhou? Mas e quando aquele sonho insiste em continuar vivo na sua memória e não some com o decorrer das horas? Ao contrário, vai te incomodando desde o momento que abre os olhos até o desjejum onde seu café esfria...