Capítulo 4 (parte 1/2)

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Aqueles insistentes bipes cessam a ansiedade e todo o anseio para que aquele momento chegasse. Como se não bastasse a noite mal dormida por medo de ter perdido o horário, mesmo com o despertador programado e ter me preparado metodicamente na noite passada para não haver atrasos. Desligo finalmente o alarme, que está em processo de escolha de uma melodia melhor, porém não faz muito sentido pôr uma música que eu goste muito, que ao invés de ter o efeito de me animar ao começar o dia, será odiada pelo resto da minha existência. Levanto e já visto o uniforme já posicionado no cabide e meu tênis com as meias sobre ele, desvio do meu reflexo mas não escapo ao vê-lo aborrecido no banheiro mas que melhora significativamente ao ser encharcado com a água corrente.

Usar aquele uniforme apagava totalmente a minha personalidade por sua cor monocromática, escura e sem vida então, eu precisava dar o tom da minha identidade a ele, como um stylist assina a sua roupa. Pelo frio glacial que deve fazer lá fora, uma camada de roupa a mais não é dispensável, ponho por baixo do uniforme uma blusa pólo, com a gola para fora, um cinto que se ajuste melhor a minha cintura e minha calça, que se estende pelas minhas pernas largamente. Tudo bem, esse é o máximo que o meu raciocínio criativo consegue criar, não é algo impactante para um primeiro de aula/volta às aulas mas o importante é a entrega final, nada básico e bem funcional. Mesmo antes dessa pausa da escola, meu horário é bem cronometrado e nem distribuído para a minha arrumação e a minha ida para que eu chegasse pontual à escola, então assim eu sigo para arrumar o cabelo e escovar os dentes. Capricho mais inconscientemente até que esteja aprovado e nesse processo, estrapolo um pouco o tempo, o que significa que teria que pedalar um pouco a mais, pego a mochila e parto para a saída. Passando pela cozinha, a Glenn está a beira do fogão, preparando algo e a Scary sempre alerta onde há fumaça, mesmo que seja só café. Me espanto ela acordada aquela hora mas estou sem tempo para perguntas, apenas felicito um bom dia às duas moradoras, que recebo de volta, e um miado que deve significar o mesmo.

- Frutas ou fritas? - ela me pergunta no caminho, pelo cheiro que sinto, que pode ser ovos. Passo pela fruteira e apanho uma maçã e duas bananas e ponho no bolso lateral da mochila.

- Eu sei que eu sou um pouco sedentário mas uma fruta, bastante água e uma pedalada é o caminho para um prodígio saudável. - assim me despeço, subo na bicicleta e passeio pelas ruas de Authent City como se não houvesse regras de trânsito e um grande compromisso a me esperar.

Nem acredito que a escola tirou meu sono, acho que mais pelo medo da bronca por ausência e o prejuízo das faltas logo de cara, do que o desejo de fato de estar lá, mas confesso que sentia uma mínima falta da baderna escolar com o pessoal. O clima aqui fora está ameno e a roupa aquece bem do contravento, mesmo com o sol tímido atrás das amontoadas nuvens, que deixam que apenas fechos de luzes escapem, como se um bom dia divino fosse dado e as colorações do céu ainda nascendo, completam a paisagem, junto do mar pacífico, assim como o trânsito até a minha chegada aos portões do inferno estudantil.

Parto para o banheiro após deixar a bicicleta na área adequada, para secar o rosto e me averiguar no espelho e não há coisa que mais distorça a imagem do que um espelho público. Parece que todo o charme e aprovação que você via em casa parece ter evaporado no caminho para cá. O banheiro está cheio, é sempre assim antes das aulas, uma grande reunião está formada aqui para fazer as últimas coisas que habitualmente se faz nesse espaço, então não demoro muito, apenas passo um hidratante labial e saio, espiando despretensiosamente para ver se meus amigos ainda poderiam estar pelo pátio. O sinal para a primeira aula é dado e é na mesa que eu encontro quem eu procurava, rapidamente conversamos antes que o porteiro venha nos pastorear para a sala mas estamos relativamente perto da sala, de onde vemos que o professor ainda não entrou.

- E aí? Estão preparados para mais um dia de aula? É tão estranho essa sensação de início mas também de retorno porque começou lá atrás... - digo, meio contraditório, mas sou compreendido.

- Espero ter um orgasmo intelectual hoje. Que os ensinamentos sejam vibradores e meus neurônios sejam estimulados prazerosamente. - definitivamente o Jade não espera monotonia ou chatices teóricas, altas expectativas é o que o define.

- Podemos fingir que não conhecemos ninguém da sala e termos uma aula de introdução pessoal. Não acordei empolgada para descobertas, apenas ansiosa para ser liberada para minha casa. - a Eve completa esse astral duvidoso e torcemos por boas novas, além da sala. Para toda a escola. Algo para movimentar as horas ainda mais rápido estando aqui. Reparo corriqueiramente no que os meus amigos vestem, eles também fizeram uma tentativa de sobressair suas aulas estilistas por cima daquela coisa apagada e padronizada. A Eve aposta em acessórios, bijuterias em todo o lugar que uma peça de metal possa adornar, maquiagem básica porém precisa e uma mochila, uma bolsa de ombro, feita de um pano de tecido específico e estampas chamativas. Já o Jaden porta também alguns acessórios, porém de produção artesanal, diferentes dos da Eve, que parecem simular prata, e uma touca meiga que cobre suas orelhas, mantendo uma temperatura agradável.

- Nossa Austin, você parece tão diferente... Mais novo. É a barba, não é? - eu disse que tinha me preparado metodicamente para hoje e eu não podia voltar para as aulas sem uma mínima mudança de aparência.

- Que bom que gostaram. Bom que quando não mudo o cabelo, a barba me traz um aspecto facial diferente. - pareço ter a aprovação dos meus amigos quanto ao novo visual e me sinto um homem velho em ter que dizer que uso o barbeador com mais frequência do que eu gostaria. Finalmente seguimos para a sala ao vermos a passagem do professor, ocupamos nossos lugares no espaço central da sala, de forma que dois fiquem na nossa fila e outro na fileira ao lado para uma melhor comunicação, mas não inconvenientemente paralela durante a aula. Não perco a oportunidade de filar um pouco da água da Eve, eu sei que ela já desistiu e basicamente traz para que nós bebêssemos e também que eu disse que eu bebo bastante água mas foi só por eu ter esquecido mesmo. A pressão e emoção dos acontecimentos não me deixavam fugir dos pensamentos para focar em outras coisas, eles queriam prioridade e protagonismo na minha mente. O professor de biologia introduz a sua aula, rebuscando um pouco da matéria passada do nosso último encontro e conecta com a matéria que será apresentada hoje.

- Bom, nós vimos sobre a área comportamental dos animais boa parte do trimestre passado, como a etologia tem a sua visão e investiga as práticas dos animais em seus ambientes naturais. Nesta aula, podemos introduzir sobre evolução e como ela impacta e impactou no físico, reprodução e no seu ser como um todo durante esse processo evolutivo.  Um exemplo pertinente sobre esse tema, são os pavões, que passaram por esse desenvolvimento e se adaptaram conforme as necessidades locais e corporais. - ele usa uma pena de pavão verídica de amostra para ilustrar a explicação, para sair um pouco dos slides, do digital e trazer o entendimento para o campo material, mais dinâmico. Ele prossegue com a matéria e logo passa os exercícios de fixação e finalmente tiramos os cadernos das bolsas depois de muito tempo. Pelo menos, muitos aqui eu posso afirmar. Copio ligeiramente, acompanhando o ritmo da escrita do professor, assim como meus amigos aparentemente estão e ele nos dá o devido tempo para respondermos as questões, seguido dos vistos e das devidas correções orais. Concluímos tudo em grupo, ou melhor em trio, como de costume e auxiliando onde houvesse dúvidas, conversamos um pouco mais pelo pouco tempo que tivemos juntos para finalizarmos e assim, ele segue todo o roteiro explicado até que a aula acabasse. Me ofereço para ficar com a pena de pavão, ele se surpreende pelo meu interesse mas cede em me entregar, acho que ele não deve ser o único exemplar para que não faltasse para a explicação em outras turmas. A surpresa dele é compreensível, já que todo mundo parecia enfadonho e desinteressado nos primeiros minutos da aula mas eu parecia genuinamente disposto a entender, até fazendo contribuições e tirando dúvidas pontuais. Eu gosto muito de ter esse momento de interação nas aulas, pelo menos garanto meus pontos de participação, mesmo que ela seja dispensável. Juntamos nossos materiais pois a próxima aula já se anuncia, partimos para a devida sala e mantemos nossa configuração de lugares de sempre, enquanto a aula se estende até termos uma pausa para o café da manhã, um intervalo curto para comermos antes de voltarmos às salas e sustentar nossos estômagos até o almoço.

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