Enquanto eu almoçava no quarto, com o e-mail já devidamente enviado para Lucas, finalmente chequei o celular que não parava de vibrar na escrivaninha. Claro que não fiquei nem um pouco surpresa ao me deparar com uma conversa acalorada entre Carol e Flora sobre a minha vida amorosa, o que fez meu estômago revirar.
Eu sabia que ambas só estavam curiosas sobre a minha vida nos últimos meses, já que quase não conseguíamos nos falar. Mas eu mesma não sabia o que dizer. Havia sequer algo a ser dito? Eu e Sara não éramos nada sério, e eu com certeza não mencionaria a Laura, já que não havia nada rolando entre nós, nem mesmo algo casual.
Eu queria muito continuar me convencendo de que eu não precisava de um relacionamento, eu estava bem curtindo minha vida de solteira. Mas, enquanto lia as mensagens da Carol sobre o noivo dela, me peguei sonhando com um cenário onde eu encontraria uma pessoa para dividir a vida. Alguém que me apresentaria para a família sem ter vergonha de mim. Alguém que entenderia minhas inseguranças por ser uma pessoa trans e não me acharia difícil de ser amado por causa disso. Alguém que, um dia, escolheria se casar comigo.
Imaginar esse grande amor me fez sorrir sozinha por alguns segundos, até o sorriso ser substituído por uma dor aguda no peito. Quem eu estava tentando enganar? Mal existiam histórias com finais felizes para pessoas como eu, e eu ainda queria acreditar que poderia acontecer comigo? Que eu seria a exceção?
Então só afastei os pensamentos e deixei o prato vazio do almoço em cima da escrivaninha enquanto fazia alguns ajustes no meu projeto de pesquisa. Eu tinha encontrado pontos para melhorar e queria fazer todas as correções antes da primeira reunião com Lucas, que poderia acontecer a qualquer momento. Eu só estava esperando a resposta dele.
Eu estava tão concentrado no projeto que quase tive um ataque cardíaco quando ouvi a porta da sala bater com tudo contra a parede. Até cheguei a considerar que era um assalto, mas logo a voz da minha amiga confirmou que eu estava exagerando.
— Amigo, você não vai acreditar! — Bia surgiu no meu quarto como um furacão, me fazendo dar um pulo na cadeira e quase derrubar o prato do almoço que ainda repousava na minha escrivaninha.
— Quebra mesmo! — gritei, tentando me recompor do susto que eu tinha levado.
— A Laura me perguntou de você! — Bia soltou a bomba de uma vez com um sorriso imenso no rosto.
Meu estômago revirou na mesma hora, e eu congelei no lugar, incapaz de formular alguma resposta coerente para aquilo.
— Pois é! — ela se jogou na minha cama, sem esperar uma resposta da minha parte.
Acho que minha expressão já dizia tudo.
— Eu fui entregar a atividade do dia, que inclusive você perdeu, mas tudo bem, porque valia só 0,1, e aí ela me perguntou como você estava. Só que tipo, foi muito do nada, sabe? Eu só queria entregar a atividade, nem falei nada sobre você, mas ela me chamou e perguntou "A Sam está bem?", e aí logo em seguida ela ficou super nervosa e parecia que ia ter um treco na mesa dela, e aí ela meio que se corrigiu e perguntou se você estava se recuperando bem do acidente. — Bia emendou uma informação na outra, me deixando cada vez mais confuso com a falta de uma sequência narrativa coerente.
Mil e um pensamentos se passavam pela minha cabeça ao mesmo tempo enquanto eu ouvia Bia falar, mas a pergunta era uma só: por que Laura se deu ao trabalho de perguntar sobre mim?
Talvez ela realmente estivesse se sentindo mal por ter me atropelado, mas a gente tinha se visto no dia seguinte ao acidente e ela não disse nada. Estávamos ambas no mesmo lugar, trocamos olhares, e Laura preferiu sair correndo do que vir até mim e perguntar como eu estava. Então por que se dar ao trabalho de perguntar para a minha amiga?
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Como (não) reprovar no amor
RomanceAos 35 anos, Laura não esperava ver seu casamento com César ruir e acabar em divórcio. Num momento de desespero, ela acaba parando num bar duvidoso para afogar as mágoas, e lá conhece a Sam. Sam não tinha esperanças de conseguir nada com Laura (a m...