3. Eu não ganho o suficiente para passar por isso (Laura)

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5 meses depois

Eu não demorei muito para descobrir que Sam tinha me passado o telefone errado.

Por um tempo tentei me convencer de que ela só tinha trocado algum número enquanto digitava. Afinal, ele parecia com pressa, era apenas um infeliz imprevisto que poderia acontecer com qualquer um. Mas aquela farsa durou não mais que alguns dias, quando eu aceitei que tinha sido rejeitada.

Não me levem a mal, eu não estava esperando que um beijo no bar virasse uma grande história de amor como nos livros que eu lia. Eu já estava velha o suficiente para saber que contos de fadas eram uma mentira e meu antigo casamento era a prova viva disso. Mas eu não podia negar que tinha ficado um tempo me perguntando se meu beijo tinha sido tão ruim assim ao ponto de Sam querer sair correndo do bar para não ter que continuar conversando comigo. Até os amigos dela foram embora às pressas (sim, foi esse nível de humilhação).

O que me dava mais raiva era o fato de que eu tinha ficado em alerta assim que Sam se aproximou. Eu não tinha ido para o bar com a intenção de ficar ou conhecer alguém novo, eu só queria afogar as mágoas do meu divórcio em um lugar onde nenhum dos amigos metidos de César ousaria pisar os pés, e aquele bar insalubre era perfeito.

Mas então, no meio do caminho, eu voltei atrás na minha decisão e dei abertura para Sam se aproximar. Fazia tanto tempo que eu não tinha uma conversa tão natural e fácil com alguém, então eu ignorei todos os sinais vermelhos e me permiti aproveitar a companhia. E o beijo... meu Deus, que beijo!

O que eu sentia ao beijar César não chegava nem perto do que eu senti quando Sam me beijou. Toda a adrenalina, o desejo e o frio na barriga! Foi como reacender algo dentro de mim. Eu queria acreditar que era tudo culpa da bebida e da droga, mas eu sabia, bem no fundo, que não.

Então sim, eu me senti uma idiota total quando descobri que o número era falso e pertencia, na verdade, a uma senhora chamada Marlene, que ficou bem assustada quando acordou de madrugada com uma mensagem escrita "quanto tempo dura o efeito da maconha?". Fiquei com tanta vergonha que bloqueei o número logo depois de mandar um textão pedindo desculpa.

Pobre Marlene, não tinha nada a ver com aquela confusão toda. E eu sei que não deveria, mas aquela rejeição causou uma mágoa que logo virou raiva. Por que ela me beijou e fez todo aquele discurso clichê se pretendia fugir logo em seguida? Era o plano de Sam o tempo todo? Algum tipo de aposta entre os amigos dela? Para piorar, meu isqueiro tinha sumido naquela noite, e eu tinha certeza que estava com ela (sim, olha essa ousadia!). Eu nunca mais o veria.

Mas tudo bem, porque nada daquilo importava mais. Romance era uma distração e eu precisava focar no que realmente importava: minha carreira. Abri mão de muitos sonhos meus pelo César, atrasei minhas metas e apaguei meu brilho para que ele pudesse se destacar. Eu não deixaria mais ninguém e nem nada atrapalhar meus planos, e isso era uma certeza!

Plano número 1: sobreviver a mais um semestre dando aula.

Nunca ia me esquecer do dia em que eu fiquei sabendo que a vaga de professora adjunta era minha. Depois de anos me matando no mestrado e no doutorado, e mais alguns sendo professora substituta, eu finalmente tinha alcançado meu maior sonho. Mesmo com pouco apoio dos meus pais, que queriam que eu seguisse qualquer carreira menos a de professora. Então eles me enchiam de notícias sobre concursos públicos para bibliotecário em tribunais com salários altíssimos. Eu entendia a preocupação, mas sabia, bem no fundo, que eu nunca seria feliz se não seguisse a área acadêmica. 

Eu amava lecionar e fazer pesquisa, amava a sensação de entrar numa sala de aula e ensinar algo para outras pessoas. E meu Deus, eu aprendia tanto com elas. Mesmo com todos os problemas, com a desvalorização e com as horas mal dormidas, era o que eu tinha escolhido para mim. Eu era, no final das contas, uma mulher de fatos e evidências.

Como (não) reprovar no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora